CULTURA
Na militância ideológica
JORNAL DA PARAÍBA continua série de homenagens aos 80 anos do jornalista e escritor Gonzaga Rodrigues, que completa 80 anos.
Publicado em 19/06/2013 às 6:00 | Atualizado em 14/04/2023 às 13:48
Dando continuidade às homenagens em torno dos 80 anos do jornalista e escritor Gonzaga Rodrigues, que será celebrado nesta sexta-feira, o JORNAL DA PARAÍBA conversa com o paraibano sobre seus pensamentos políticos em mais de seis décadas de estrada pavimentada pelas letras e pelo jornalismo.
“Chego aos 80 anos agora. É uma vitória individual, mas eu te falo com muita sinceridade: eu chego com alguma tristeza”, desabafa. “O mundo que eu vi na minha adolescência os índices de analfabetismo e de mortalidade infantil continuam os mesmos”.
Dentre suas obras literárias do paraibano de Alagoa Nova, Café Alvear - Ponto de Encontro Perdido (Textoarte), livro lançado há 10 anos, relembra as conversas políticas e culturais das décadas de 1960 a 70, no Ponto dos Cem Réis, no Centro de João Pessoa.
De acordo com Gonzaga, a relação com a política sempre foi meio distante e sem militâncias. “A minha militância foi mais ideológica, da qual eu nunca abandonei”, frisa. “Eu era um socialista, já que não pude ser um comunista porque precisava de muita coragem, abandono da família e uma entrega total. Nunca fui homem pra isso, mas invejo os que foram. Eu vitoriei, mas meu mundo não vitoriou.”
Sobre o Governo atual, o jornalista observa com certa decepção.
“Eu não tenho nada contra Ricardo (Coutinho), tenho muita admiração por ele pela sua luta solitária, quando começou como líder estudantil e se fez por si mesmo”, justifica. “Ele me parecia uma pessoa que trazia uma cabeça nova, uma mudança. O que verifico é que ficou na vontade. Ele está apenas fazendo o mesmo que os outros bons governantes”.
Na sua trajetória, mesmo sendo um homem que demonstra suas preocupações políticas, Gonzaga ocupou apenas cargos da sua formação como Secretário de Jornal (cargo equivalente hoje ao diretor), tanto d’A União quanto d’O Norte. “Para mim, foi o meu cargo mais importante”.
Mesmo chegando a ter cargos como Secretário de Comunicação no Governo de Tarciso Burity (1938-2003), Gonzaga Rodrigues gosta de resumir seu trabalho assim: “Meu currículo mesmo é de ter sido jornalista, de 1952 até hoje”.
Gonzaga: múltiplos dons
Por Nonato Guedes*
Li Gonzaga Rodrigues em Cajazeiras, ainda imberbe, ensaiando meus passos no jornalismo e na vida cultural. Ao desembarcar em João Pessoa, em 78, lutei para me aproximar do cronista com a tenacidade de quem vai a Roma e tenta ver o Papa. Minha timidez bloqueava o contato. A reverência secreta que sempre nutri por ele era o empecilho, mas no metro quadrado de João Pessoa, era improvável que não houvesse o encontro e que a amizade não fosse selada. Deu-se, enfim, o abraço fraterno e, na seqüência, a minha admissão no círculo de admiradores do ourives da escrita, de textos densos encobertos por um estilo que busca fidelidade aos fatos narrados como quem persegue a perfeição.
Gonzaga aprimorou dons que fazem seus textos fluírem com naturalidade e singeleza. O ‘lead’ de uma crônica sua prende e fascina de largada, pelo preciosismo de saber colocar o leitor a par do que vai se desenrolar no intercurso da narrativa. A introdução a suas criações já prepara o leitor para as emoções que vai desfiar na leitura instigante, na eloqüência com que define situações e personagens. Em Gonzaga, tudo é preciso, metrificado. As palavras se entrelaçam em semicírculo para se harmonizarem no ponto final. Que invariavelmente deixa o leitor com vontade de ler mais, de saber mais, pela suspeita de que o cronista deixou escapar casos interessantes apreendidos no relicário do seu aprendizado permanente.
Estivemos juntos em oportunidades históricas, como na preparação da edição de A União sobre os 30 anos do golpe de 64, convertida em livro, com participação de uma equipe de altíssimo nível. Foi um dos colaboradores da revista Ponto de Cem Réis, denominação que ele mesmo atribuiu, fiel ao itinerário lírico que sempre ensaiou pelo termômetro da capital, o tambor do estado no dizer de Otinaldo Lourenço. O pacto de aproximação que eu buscava foi sacramentado. Gonzaga não exala só talento ou ensinamento. Ele perpassa solidariedade, como pude constatar em instantes de mar de sargaço. Posso dizer, com orgulho e reverência, que consegui tornar-me um dos adotivos da sua grei.
* Jornalista
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