CULTURA
Um Irã anti-maniqueísta
Tariq Ali, inteletual paquistanês, elogia o cinema iraniano, com suas personagens e enredos aprofundados.
Publicado em 14/02/2012 às 6:30
Em sua última passagem pelo Brasil, o intelectual paquistanês Tariq Ali afirmou que o recente boom do cinema iraniano tem muito a ensinar ao cinema americano, mola-mestra da indústria cinematográfica do Ocidente.
A despeito de um discurso imbuído mais de política que de estética, Ali tem toda a razão. A Separação (Jodaeiye Nader az Simin, Irã, 2011), que ganhou o feliz respaldo da Academia com indicações ao Oscar nas categorias de 'Melhor Filme Estrangeiro' e 'Melhor Roteiro', é uma lição de como um enredo perspicaz pode reger um longa-metragem, dando profundidade dramática a questões cotidianas que o cinema contemporâneo tem negligenciado, talvez, por puro marasmo ou falta de interesse.
Enquanto, atento ainda a um retrato da realidade pós-11 de setembro, o Ocidente opta por narrativas de estrutura não-linear, fragmentária e de viés transculturalista, o cinema iraniano recupera uma tradição de matiz mais simples (mas não menos complexa), fixando-se em poucos personagens cujos conflitos se desdobram em relações intrincadas e extremamente tensas.
A Separação prescinde da comparação para revelar seu verdadeiro caráter, calcado em questões de gênero e religiosas que, apesar de mais significativas quando analisadas à ótica do regime islâmico, também dizem respeito aos dilemas que perpassaram a trajetória de países submetidos a outros regimes doutrinários.
Exemplo disso é a situação do personagem Nader (Peyman Maadi), vórtice de um drama degringolado a partir da iminente separação com a sua esposa Simin (Leila Hatami), que quer sair do país, mas é impedida pela necessidade do marido de permanecer e dedicar-se aos cuidados do pai, que sofre de Alzheimer.
Nader é o ponto de expiação da trama: ao contratar Razieh (Sareh Bayat) para cuidar do pai, o personagem precisa arcar com as implicações morais de uma série de eventos que abalam o fato de ter confiado a saúde do pai a esta mulher.
Sem maniqueísmo, o filme submete o espectador a dúvidas pairantes que colocam suas próprias convicções éticas em jogo neste enovelado fio de verdades e mentiras.
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