CULTURA
Potencialmente subversivo, 'Paulo - apóstolo de Cristo' sofre com roteiro disperso
Filme toma escolhas narrativas questionáveis que comprometem o resultado final.
Publicado em 03/05/2018 às 19:43 | Atualizado em 04/05/2018 às 15:32
PAULO - APÓSTOLO DE CRISTO (EUA, 2018, 106 min.)
Direção: Andrew Hyatt
Elenco: Jim Caviezel, Olivier Martinez, James Faulkner, Joanne Whalley
★★☆☆☆
Tolerância parece ser algo raro nos dias hoje. Seja contra minorias religiosas, imigrantes, divergentes políticos, LGBTs, pobres, negros: sempre há uma barreira que separa o eu do outro, do diferente, daquele que acredito ser menor. É justamente a tolerância e a aceitação das diferenças as mensagens que Paulo - apóstolo de Cristo, filme que estreia nos cinemas da Paraíba nesta quinta-feira (3), tenta transmitir.
O longa cobre os últimos dias de vida do apóstolo Paulo (James Faulkner) durante seu encarceramento na Prisão Mamertina, em Roma, por professar a religião cristã. O Império Romano estava submetido ao poder do tirânico imperador Nero, que promovia uma perseguição contra a minoria cristã, matando, torturando e humilhando os seguidores de Cristo. Da prisão, Paulo - ele próprio um ex-soldado romano posteriormente convertido ao cristianismo - servia como guia e referência de uma comunidade marginalizada de cristãos liderada por Priscila (Joanne Whalley) e Áquila (John Lynch).
É através das visitas do apóstolo Lucas (Jim Caviezel, que interpretou Jesus no polêmico A paixão de Cristo) na prisão que Paulo consegue transmitir suas mensagens de amor ao próximo, não-violência e perdão ao mundo exterior. A doutrina de abnegação de Paulo é posta à prova quando membros do grupo de Priscila e Áquila se revoltam com a morte de uma criança e decidem se vingar com as próprias mãos da crueldade dos romanos.
Nesse ponto, o filme consegue, ainda que debilmente, invocar um dos temas mais sensíveis para a comunidade cristã na atualidade e pode ser visto como um mecanismo de autocrítica e reflexão: antes uma minoria perseguida, muitos dos que hoje se afirmam cristãos reproduzem a intolerância e a falta de empatia que vão de encontro à mensagem de Jesus. Quando o grupo de rebeldes mata soldados romanos para resgatar Paulo da cadeia, o apóstolo se nega a acompanhá-los: "vocês dizem que agem em nome de Cristo, mas não o conhecem", diz.
Essa poderia ser a maior força de Paulo - apóstolo de Cristo: a mensagem, revolucionária por si mesma, de aceitação e disposição ao diálogo com aquele que me é diferente - a postura de Lucas e Paulo para com Mauritius (Olivier Martinez), chefe da Prisão Mamertina, é a representação por excelência do cristianismo e faz o espectador pensar em quantos frequentadores-de-igreja fariam o mesmo hoje em dia. O discurso - encarnado com competência pelo elenco - fica, entretanto, perdido no emaranhado de fios narrativos confusos e desconexos do roteiro escrito por Andrew Hyatt (que também dirige).
O filme é construído a partir de três tramas principais: a fuga da comunidade de Priscila e Áquila de Roma; o crescente envolvimento de Lucas com Mauritius e sua filha doente; e o passado de Paulo como soldado romano, retratado em flashbacks rápidos e ineficientes. Os três fios do roteiro, ao invés de convergirem ao final da exibição, acabam sendo tratados de forma independente e rasa.
Por isso mesmo não há tempo suficiente para que o espectador possa se envolver com nenhuma das personagens (com a exceção óbvia dos dois apóstolos). Logo no início do filme, é elaborado um plano complexo e mal explicado para que a comunidade de Paulo possa escapar em segurança de Roma; uma criança, por alguma razão, é enviada para algum lugar para que o plano possa ser executado; mas o menino morre, gerando a onda de comoção rebelde em parte dos membros do grupo. A morte soa rasa e sem sentido, um dispositivo fácil e logo esquecido para que os efeitos narrativos desejados pelo roteiro sejam alcançados.
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A trama da filha doente de Mauritius é igualmente deslocada: conquanto sirva para demonstrar o princípio de amor incondicional cristão, é construída apressada e descuidadamente e logo torna-se completamente previsível e irrisória para o público. E é justamente em meio a esses plots desnecessários que o filme apela para um sentimentalismo quase novelesco que não tem efeito algum a não ser fazer o espectador revirar os olhos.
Andrew Hyatt tinha a chance de fazer um grande filme com a história potencialmente revolucionária que tinha em mãos, se abordada do jeito certo. O diretor e roteirista, entretanto, apenas flerta com os elementos que poderiam fazer de Paulo - apóstolo de Cristo uma boa obra - a transformação do apóstolo; a dubiedade de Mauritius; a complexa conjuntura cristã situada entre uma doutrina de pacificação e a crueldade romana - e cede a sentimentalismos fáceis e escolhas questionáveis. Uma pena. Que pelo menos o eco da mensagem de Paulo reverbere aqui.
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