CULTURA
Não se aceitam devoluções: ruim é elogio para comédia de Leandro Hassum
Filme tenta ser engraçado e emocionante, mas falha em todos os aspectos.
Publicado em 02/06/2018 às 11:03 | Atualizado em 10/03/2023 às 13:34
A comédia dramática é um gênero complicado: pressupõe doses igualmente balanceadas de drama e comédia (dã), e é comum que o espectador ria e se emocione em dramédias de sucesso - um bom exemplo seria O Auto da compadecida (2002). É muito difícil compreender, então, como Não se aceitam devoluções (2018), com Leandro Hassum, foi aceito para exibição em circuito nacional.
O longa acompanha Juca Valente (Leandro Hassum), a figura manjada do mulherengo que misteriosamente atrai a atenção de centenas de mulheres (e, o que é mais misterioso ainda, suscita o desejo de se casar na maior parte delas). Essa rotina chega ao fim quando um dos seus casos passados, Brenda (Laura Ramos) volta para entregá-lo sua filha de dois anos e foge.
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A premissa, baseada no bem-sucedido filme espanhol No se aceptan devoluciones (2013), já é duvidosa por si mesma, mas poderia ser bem aproveitada em mãos hábeis. O problema é que a direção de André Moraes e o roteiro das escritoras de telenovelas Ana Maria e Patricia Moretzsohn falham completamente em dar ao trabalho qualquer nuance de credibilidade, comédia ou sensibilidade.
Quase todas as piadas do filme são batidas ou têm um timing tenebroso, e a câmera sem inspiração de Moraes tenta extrair uma risada sequer do público focalizando com exagero as caras e bocas de Hassum.
O ator, por sinal, até que não se sai mal nos momentos de suposta emoção e sensibilidade e convence como um pai que se esforça ao máximo para criar a filha sozinho (e aqui o filme desperdiça completamente sua única potencialidade: o crescimento de Juca enquanto personagem e os risos e as lágrimas na vida de um pai solteiro), mas todo o resto do filme - do texto lerdo aos coadjuvantes apáticos (a atriz mirim Manuela Kfouri raras vezes consegue soar natural) - conspira contra ele.
O roteiro, por sua vez, parece ter sido concebido por um grupo de pessoas que tenham ouvido alguém contar, à distância, como se escreve um filme.
Não há coesão narrativa alguma, apenas uma série de eventos que enchem linguiça entre os dois ou três plot twists sem sentido do filme; a reviravolta final soa como um mecanismo barato de chantagem emocional, numa tentativa desesperada de envolver o espectador aos 45 do segundo tempo.
Tampouco os efeitos visuais toscos e a montagem amadorística, característicos de trabalhos realizados por grupos universitários inexperientes (mas sem a criatividade e inventividade destes) ajudam no resultado final.
Tudo isso fica claro após apenas 30 minutos de exibição. Para quem não assistiu ao original - ou ao remake francês Uma família de dois (2016) - vem como uma grata surpresa, então, o retorno de Brenda acompanhada de sua parceira.
O que poderia se transformar numa bem-vinda tentativa de diversidade e aprofundamento em um filme tão esquecível, entretanto, logo se transforma na pá que jogará o último fio de terra sobre a reputação de Não se aceitam devoluções.
O casal lésbico rapidamente se transforma no vilão do longa - não por acaso, a parceira de Brenda é sempre retratada com roupas e maquiagens escuras, cabelo curto, um poço de antipatia - que tenta destruir a vida perfeita da criança e do pai carismático e preocupado que faz piadas sexuais com a vizinha na frente da filha.
Não se aceitam devoluções não é engraçado; não emociona; soa raso e amador; e reproduz um discurso já ultrapassado da homossexualidade como destruidora de famílias outrora felizes. Portanto, como já foi dito: é uma surpresa que este filme não tenha levado um ‘não aceito’ de qualquer um envolvido em sua produção.
NÃO SE ACEITAM DEVOLUÇÕES
(Brasil, 2018, 99 min.)
Direção: André Moraes
Elenco: Leandro Hassum, Laura Ramos, Manuela Kfouri, Zéu Britto
★☆☆☆☆
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