VIDA URBANA
Diversidade sexual nas quadrilhas quer ajudar a combater homofobia
Conheça a história de personagens que são representados em suas quadrilhas.
Publicado em 16/06/2018 às 7:00 | Atualizado em 17/06/2018 às 11:22
"Tem um viado no meio da quadrilha. Uma bicha, uma travesti. Sempre tem uma nomenclatura que alguém do público me aponta, mas eu levo de boa. Estou aqui conquistando meu espaço a cada dia", afirma Marjory Oliveira ao falar sobre suas apresentações na quadrilha Sanfona Branca, mulher trans da quadrilha junina. O grupo existe há 13 anos e ela é a primeira mulher trans a representar o público LGBT nas apresentações, convidada em 2017.
"Antes de mim, tinha homossexuais que dançavam, mas vestido de meninos, não tinha ninguém representando a diversidade do grupo LGBT mesmo. Eu fui convidada para ser a primeira trans da quadrilha por já ter a documentação como mulher trans", diz. "Quando recebi um convite desse, me senti lisonjeada, quero representar todas as outras que virão e que juntam comigo vão quebrar esse preconceito", afirma.
A Sanfona Branca é uma quadrilha tradicional do bairro de Mangabeira e atual campeã Paraibana. Com a chegada de Marjory, ela quebrou paradigmas impostos pela população e até mesmo dentro do próprio grupo. "A quadrilha é muito tradicional, tem muita criança e família mesmo, senti um certo receio. Quando cheguei, não é que não tiveram preconceito, tiveram sim. Sofri preconceito com relação às pessoas que admiram a junina e indiferença de algumas pessoas dentro do grupo. Mas depois que chegaram, conversaram, me conhecerem, viram realmente quem eu sou", diz. "Mostrei que eles, juntos comigo, poderiam mostrar para as pessoas a diferença e que existe um público LGBT sim. Existe respeito, uma vida normal onde se trabalha, se ama, tem carinho e pode se conviver normalmente", desabafa.
"O público LGBT é enxergado como animais, como se a nossa sexualidade valesse mais do que nossa personalidade. Mas a partir de quando o público junino abre as portas, nós conquistamos espaço e mostramos que também somos pessoas" – diz Marjory.
Para Marjory, a representatividade da mulher trans na quadrilha junina é uma arma na luta contra a homofobia. "A gente só critica, maltrata e desrespeita aquilo que a gente não conhece. Mas a partir do momento que se abre as portas para a diversidade, mesmo que tenham um olhar de crítica e desrespeito, você começa a enxergar a vida do outro e termina passando a respeitar. Isso pra mim é uma grande vitória", afirma.
De acordo com o presidente da Junina Sanfona Branca, Wallison Pedro, a quadrilha possui 100 integrantes, 80 deles são dançarinos. "Com Marjory no nosso grupo, é um meio de integrar todos ao mesmo convívio, com a mesma dignidade e olhando todos como iguais", afirma.
Como Marjory, o coordenador também acredita que a visibilidade das pessoas homossexuais dentro do mundo junino faz com que as pessoas tenham um olhar de aceitação maior.
Raiz Nordestina: juventude e diversidade
A quadrilha junina Raiz Nordestina existe há cerca de quatro anos. Apesar de nova, ela também acolhe a diversidade sexual. Para o dançarino Pedro Lázaro, o grupo junino escolhe as pessoas independente da sexualidade.
"Em determinado momento dos ensaios a diretoria escolhe quem vão ser os destaques, onde cada um vai dançar. Eu fui escolhido para dançar na frente, sou frente da quadrilha junina. Estou na frente. Nessa hora é quando a gente percebe que não é julgada a orientação, gênero de ninguém, apenas o que é apresentado nos ensaios. Na minha quadrilha eu encontro isso, a representatividade", afirma Pedro.
A quadrilha Raiz Nordestina surgiu em 2014 e faz parte da Associação cultural do bairro Valentina de Figueiredo. Atualmente, com seis músicos e 52 componentes, divididos em 26 casais. Para Pedro Lázaro, o grupo oferece espaço para qualquer integrante. "Todo mundo ganha com isso, a quadrilha por ter mais componentes e nós homossexuais, que temos respeito. Isso tudo somado é uma forma muito boa para divulgar nossa cultura e combater a homofobia", diz.
Rainha da Diversidade
A noite de quarta-feira (13) foi marcada pela edição 2018 do Festival de Estrelas Juninas, em Campina Grande. Este ano, o evento foi marcado por um fato inédito: a escola da Rainha Junina da Diversidade. Peróla Aryelissa foi a ganhadora do concurso, ela participa da quadrilha Rojão do Forró do bairro de Jeremias.
Os primeiros colocados nas categorias da Rainha da Diversidade, do Maior São João do Mundo, Casal de noivos e Casal junino, vão participar do concurso Estadual que será realizado na cidade de Santa Rita. A premiação será entregue em julho durante a Festa os Melhores do Ano.
A programação é realizada pela Associação de Quadrilhas Juninas de Campina Grande e Região do Agreste, com o apoio da Prefeitura Municipal de Campina Grande, cuja meta é estimular a cultura popular e valorizar as mais tradicionais manifestações folclóricas regionais.
Representação na comunidade
Para o titular da Coordenadoria de Promoção à Cidadania LGBT da Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP), Roberto Maia, além da representatividade sexual no período junino, essa diversidade também representa um combate à homofobia dentro da comunidade.
"Eu acho que nesse momento é representado a diversidade sexual que tem nas comunidades. A gente percebe que a maioria das quarilhas possuem uma diversidade e essa representatividade vem crescendo. É com as quadrilhas que a maioria dessas pessoas são acolhidas pela comunidade", diz.
Ainda de acordo com Roberto Maia, a representatividade vai além da sexualidade, pois fazem com que as pessoas se identifiquem com a cultura nordestina no período junino. Essa diversidade, faz com que diminua o preconceito e a homofobia, em João Pessoa. "Elas não tem só o homem e a mulher. As caracterizações são diversas de gênero, então eu acredito que isso seja bem importante para desconstruir esse padrão heteronormativo", esclarece.
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