CULTURA
'Christopher Robin': Ursinho Pooh num mundo adulto
Com tom melancólico, filme lança olhar saudoso e agridoce à infância.
Publicado em 16/08/2018 às 18:22 | Atualizado em 18/08/2018 às 8:15
CHRISTOPHER ROBIN - UM REENCONTRO INESQUECÍVEL (EUA, 2018, 104 min.)
Direção: Marc Forster
Elenco: Ewan McGregor, Hayley Atwell, Jim Cummings, Brad Garrett
★★★☆☆
Muitos se lembram do Ursinho Pooh por suas histórias divertidas e coloridas, em que o personagem estava sempre acompanhado dos amigos Tigrão, Coelho, Ió e, claro, de Cristóvão. Pode causar estranheza, portanto, o tom de Christopher Robin -um reencontro inesquecível, que estreia nos cinemas da Paraíba nesta quinta-feira (16): é muito mais provável que o filme apele ao público adulto que ao infantil.
A história começa com Christopher Robin (Ewan McGregor) - ao invés do nome abrasileirado Cristóvão, como utilizado na série de desenhos animados - como o conhecemos, brincando com Pooh e os amigos durante a infância no Bosque de Cem Acres. Em apenas poucos minutos, o longa é bem-sucedido em deixar explícito o profundo vínculo existente entre Pooh e Christopher - apelando, claro, para a memória afetiva que o espectador nutre das personagens. Mas esse não é o foco do filme: Christopher cresce (a passagem dos anos é representada criativamente, remetendo às origens literárias de Pooh nos livros escritos por A. A. Milne), e logo o vemos como um adulto atarefado, atolado em trabalho, amargo e sem tempo para a própria família. Quando desiste de um final de semana com a mulher e a filha por exigência do chefe, Christopher recebe uma visita inesperada do ursinho de pelúcia que marcou sua infância.
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A premissa é previsível e comum no cinema (muito parecida à de Hook - a volta do Capitão Gancho, por exemplo) e na ficção em geral: um personagem melancólico precisa ser lembrado do passado, geralmente da inocência da infância, para que redescubra o prazer de viver. Mas o tema batido não torna Christopher Robin piegas ou ineficiente - ao contrário, em tempos em que vivemos cada vez mais desconectados de amigos e familiares e grudados a telas de smartphones e computador, mensagens como essa se fazem cada vez mais prementes.
Esse tema surpreendentemente complexo e adulto para uma história de Pooh é traduzido plasticamente; o diretor Marc Forster filma suas cenas com uma paleta de cores obscura, que gira em torno do cinza - mesmo Pooh e os amigos (maravilhosamente animados) não apresentam aqui as cores vivas e alegres com que se revestiam nos desenhos. A morada dos bichinhos, o Bosque dos Cem Acres, sempre foi recheada de mel e guloseimas e traduzia o caráter aventureiro e vivaz da infância, mas neste filme é comumente retratada sob uma espessa camada de névoa ou sob uma chuva torrencial: uma metáfora bem-sucedida e clara do estado de espírito de Christopher (a gula de Pooh pelo mel, apesar disso, permanece a mesma).
Cabe a Pooh e aos amigos, portanto, a tarefa de ressuscitar a criança que dorme em Christopher e relembrá-lo de que existem coisas mais importantes na vida do que trabalho, ascensão social e dinheiro. Como já foi dito, a premissa não é nada original; mas é impossível não se envolver com a figura de Pooh, que representa, em grande parte, nossa própria infância. Virtualmente todo mundo sente falta da época em que podia externar sua fome por doces à vontade; em que papéis e cálculos e trabalho eram palavras que não faziam sentido algum; em que a maior preocupação na face da terra era a difícil decisão entre brincar e não fazer nada. Pooh nos relembra dessa faceta de uma vida que perdemos, mas que secretamente desejamos de volta.
O filme tem suas falhas, como o tratamento dado aos outros amigos de Pooh, que ficam esquecidos em certo momento. A ação que movimenta o terceiro ato, que gira em torno da maleta perdida de Christopher, não empolga muito, e logo em seguida há uma tentativa de conscientização social nos últimos minutos que, embora bem-intencionada, soa totalmente descabida.
Mas Christopher Robin - um reencontro inesquecível é extremamente bem-sucedido em ativar as emoções do espectador (as crianças sairão ilesas, mas boa parte dos adultos provavelmente vai derramar uma lágrima ou duas durante a exibição) e em nos fazer olhar com ternura dolorosa em direção a um passado em que as coisas pareciam tão mais felizes e simples. Crescer e cercar-se de responsabilidades é, sob muitos aspectos, de fato uma experiência triste, mas não totalmente irreversível: de vez em quando não faz mal nenhum dar uma pausa no caos e procurar Pooh em busca de um abraço.
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