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CULTURA

OPINIÃO: 'Chico César incomoda muita gente...'

Jamarrí Nogueira estreia com textos sobre arte e cultura no Jornal da Paraíba.

Publicado em 19/08/2018 às 7:00 | Atualizado em 19/08/2018 às 17:15


                                        
                                            OPINIÃO: 'Chico César incomoda muita gente...'
Chico César, cantor paraibano | Foto: Arquivo

Um dos principais papéis da arte está na sua essência política. A arte pode até ser bela, mas não é esse seu principal atributo. Ela precisa incomodar, colocando o dedo na ferida. Arte que não leva à reflexão e que não mexe com o espectador não é arte. É decoração. Arte que não contribui para o desenvolvimento de ideias e que não dialoga com seu tempo é descartável. Corre, inclusive, o risco de prestar um desserviço à população.

E não estou falando da arte a serviço de um governo nem mesmo a uma ideologia política. Falo da arte a serviço da reflexão mesmo. Algo que fica entre o pensamento torto do americano Clement Greenberg e do russo Alexander Rodchenko. Porque o proselitismo atrapalha a arte, mas a ideologia não.

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Em sua obra “Art and Culture” (1961), Greenberg senta a pua na arte que promove mensagens políticas e sociais. Para ele, a verdadeira arte é abstrata. Contextualizando, o escritor e crítico defendia uma contraposição ao realismo rígido socialista e fazia uma apologia à ‘verdadeira arte’. Pelo pensamento de Greenberg, ‘Guernica’ jamais teria sido pintada pelo espanhol Pablo Picasso...

Rodchenko nos oferece um outro viés (assim como Vladimir Maiakovski), por ser um artista a serviço de um governo. Um grande artista! Mas, a arte de Rodchenko termina por ser enclausurada nas amarras de uma gestão. Mais do que a serviço de uma ideologia, o talentoso e multitudinário Rodchenko esteve a serviço de um governo... Minha percepção é de que o artista precisa estar a serviço da arte! E que a arte precisa estar a serviço dos avanços sociais...


				
					OPINIÃO: 'Chico César incomoda muita gente...'
Reprodução/Canal Brasil. Reprodução/Canal Brasil

'Um ser político'

Quarta-feira passada, o cantor e compositor paraibano Chico César subiu no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro (RJ). O artista foi premiado durante mais uma edição do Prêmio da Música Brasileira. A estatueta foi resultado da altíssima qualidade de seu álbum ‘Estado de poesia – Ao vivo’.

Chico (como sempre em um modelito dandescamente mais-que-fashion) não perdeu a oportunidade de se mostrar um ser político. No palco, levantou um dos braços e – com a ajuda dos dedos polegar e indicador – construiu uma letra ‘l’. O gesto foi acompanhado de um sonoro ‘Lula Livre’, que não foi captado pelos microfones da transmissão, mas ecoou pela plateia. Tanto ecoou que foi reproduzido posteriormente por outros artistas, como Criolo.

Chico é o exemplo perfeito de como o artista deve se postar diante de seu tempo. Cantor e compositor de inegável talento, o paraibano busca a otimização de seu trabalho. Nas últimas décadas, é fato que ele tem experimentado possibilidades e multiplicado os diálogos com outros artistas e outros formatos de sons. Há a busca pela excelência da arte.

Também nas últimas décadas, Chico tem se colocado à disposição para o debate e combate em torno da gestão política e das questões sociais. Foi secretário estadual de Cultura. É 'habituê' das manifestações formatadas por grupos 'linkados' aos movimentos dos sem-terra e dos sem-teto, por exemplo. É um defensor da democracia!

Seu último show em João Pessoa ocorreu no teatro Pedra do Reino, em um concerto com a Orquestra Sinfônica da Paraíba, dia 5 de agosto (para comemorar o aniversário da cidade). Um espetáculo tão lindo quanto engajado. Uma apresentação que evidencia um artista muito perto do seu ápice de construção e também consciente de seu potencial como ser político.

Baladas e pancadas

O repertório teve muito do disco ‘Estado de poesia’ e também do ‘Estado de poesia – Ao vivo’. Repertório foi o seguinte: ‘Beradêro’, ‘Caninana’, ‘Guru’, ‘Juazeiro’, ‘Palavra mágica’, ‘Da taça’, ‘Onde estará o meu amor’ e ‘Diana’, ‘Negão’, ‘Mandela’, ‘Reis do agronegócio’, ‘Estado de poesia’, ‘Miaêro’, ‘Espumas ao vento’, ‘Museu’, ‘No Sumaré’, ‘Mama África’, ‘Brilho de beleza’, ‘Pra não dizer que não falei das flores’, ‘À primeira vista’ e ‘Pensar em você’.

Algumas baladas e algumas canções para tocar no rádio... Algumas músicas para fazer pensar e para dar pancada na opressão. Canções para que o público tenha certeza de que está na frente de um artista preocupado com a estética, mas também com o conteúdo. Um repertório de um artista que nos incomoda lindamente...

Incomoda aos que desejam a reflexão. Um saudável incômodo que é a essência da arte. E incomoda àqueles que tentam obstruir os processos de reflexão porque nem todo mundo tem simpatia por quem semeia ideias e faz o povo pensar. Chico César é um semeador. E a estatueta no Prêmio da Música Brasileira integra a sua colheita...

Chico César, que costuma fazer shows em assentamentos e ocupações, compreendeu sua força política tanto quanto já dominou sua dinâmica artística. E isso – ainda bem - incomoda muita gente. Esse incômodo é motivo de alegria porque arte que não incomoda nem precisa ver a luz do dia. E entre Greenberg e Rodchenko, sou mais Chico César...

* Jamarrí Nogueira é repórter da CBN João Pessoa e escreve para o Jornal da Paraíba aos domingos

Imagem

Aline Oliveira

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