COTIDIANO
Ex-coroinhas relatam supostos abusos no interior de SP; padre nega
Adolescentes denunciam carícias na igreja desde 2001. Sacerdote nega todas as acusações; advogado aponta 'fábula infantil'.
Publicado em 13/04/2010 às 13:38
Do G1
Garotos que dizem ter sido vítimas de abuso do padre José Afonso Dé, de 74 anos, indiciado pela Polícia Civil por estupro de vulnerável e ato libidinoso com fraude na noite de segunda (12), relataram ao G1 que o sacerdote os convidava para sua casa com o pretexto de estudar a Bíblia, tomar chá e comer pipoca. Mas ao chegaram ao local, contam os denunciantes, eram forçados a beijar o pároco na boca e tinham seus órgãos sexuais tocados por ele.
O padre nega todas as acusações. Durante oito horas de interrogatório, afirmou ser inocente. Em entrevista ao G1, também refutou qualquer abuso. “Eu sou inocente dessa acusação. Nunca cometi nenhum abuso sexual com ninguém”, disse, na quinta (8), em Franca, antes de ser indiciado.
De acordo com a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), que também investiga crimes contra crianças e adolescentes, nove denúncias de pedofilia já foram feitas contra o religioso, que está afastado de suas funções.
Segundo a delegada Graciela de Lourdes David Ambrosio, da DDM, as vítimas seriam meninos de 12 e 16 anos que frequentavam a Paróquia São Vicente de Paulo, na periferia de Franca, e a casa do sacerdote. A paróquia é uma das mais tradicionais da cidade e o padre, uma das figuras mais populares da igreja católica na região.
O inquérito para apurar o possível envolvimento do padre com pedofilia foi aberto em 24 de março após uma denúncia anônima levada ao Conselho Tutelar e repassada à DDM. Ele deve ser concluído até o fim da semana, de acordo com a delegada.
De acordo com a delegada, os garotos teriam sofrido abusos entre 2001 e janeiro deste ano. Mas há também adultos que dizem ter sido molestados pelo padre Dé desde 1995, quando eram adolescentes, em Franca, e que dizem ter sido convidados a morar com o sacerdote na Paróquia Nossa Senhora de Fátima, em Iturama, Minas Gerais. Eles contam que o pároco pretendia fundar um seminário no local. Procurados pelo G1, funcionários da igreja mineira negaram as acusações de abuso no local. A polícia de Franca pretende acionar as autoridades de Iturama para apurar essas denúncias.
O G1 teve acesso aos depoimentos prestados pelas supostas vítimas na polícia e conversou com algumas delas, que só aceitaram falar sob a condição de não terem suas identidades reveladas.
Denúncias
Em uma das denúncias, um garoto de 14 anos relata o que diz ter acontecido numa visita à residência do sacerdote em janeiro deste ano. “Quando iam cumprimentar o padre Dé ele tentava dar ‘selinho’ no declarante”, disse o adolescente em depoimento à polícia. Em um outro relato, um menino de 15 anos fala sobre beijos na boca e carícias nas partes íntimas.
Um ex-seminarista, atualmente com 22 anos, afirmou à polícia que foi vítima aos 14. "Muitas vezes, padre Dé chegou a presentear o declarante com relógio e dinheiro, semanalmente R$ 30 ou R$ 40, além de passeios..."
O G1 ainda conversou com dois irmãos ex-seminaristas, que dizem ter sido molestados pelo padre Dé em Iturama. Ambos desistiram da ideia de se tornarem padres e voltaram para Franca.
“Ele [padre Dé] convidou a gente para ir a uma paróquia que ele estava em Minas Gerais, Iturama. Lá, ele me abraçou dizendo que era um abraço de pai. Só que ele começou a querer beijar minha boca”, disse o ex-seminarista, atualmente com 35 anos, sobre o suposto abuso que sofreu em 1997, quando tinha 23 anos.
Vergonha
Envergonhados, os meninos de Franca alegam que tinham medo de contar aos seus pais o que acontecia na residência do padre Dé. Decidiram, então, revelar o assédio sexual a outros religiosos. Os párocos disseram à polícia que tinham conhecimento das denúncias e que iriam tomar providências, o que não aconteceu.
A delegada Graciela afirma ter ouvido os adolescentes na presença das mães deles. “Não tenho dúvida de que os meninos foram abusados.” Para a policial, o número de vítimas pode aumentar.
Outro lado
O bispo dom Pedro Luis Stringhini decidiu afastar o padre Dé até que as investigações da polícia sejam concluídas. “Ele foi afastado para preservar as investigações, a igreja e ele próprio. Por enquanto, ele não pode mais celebrar missas na igreja”, disse o bispo por telefone.
O advogado do pároco, Eduardo Caleiro Palma, disse que todas as denúncias contra seu cliente são fruto de uma “fábula” infantil. “Alguns meninos foram se queixar com o pároco da igreja sobre o comportamento do padre Dé, que é uma pessoa carinhosa e gosta de abraçar as pessoas sem qualquer conotação sexual. Durante uma missa, os mesmos meninos se desentenderam com o padre, o xingaram e acabaram indo a polícia denunciá-lo por pedofilia. O que era um abraço acabou se tornando um abuso. Na hora certa a verdade vai aparecer”, disse Palma.
Após o depoimento desta segunda-feira (12), o advogado disse que o padre respondeu a "todas as perguntas feitas pela delegada". "E fez isso de forma coerente e clara." Segundo ele, foi um depoimento "minucioso", em que foram esclarecidas todas as dúvidas levantadas. Ele diz que irá aguardar a conclusão do inquérito para anunciar que medidas irá tomar.
Um dos filhos adotivo do padre, Marcelo Souza, de 28 anos, também desmente as denúncias. "Convivo com ele há mais 12 anos. Ele é a pessoa que me criou. É a pessoa a quem eu devo minha vida. São acusações levianas." O padre diz ter mais nove filhos adotivos, entre eles três mulheres.
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