Barulho cabra da peste

"A vanguarda da intelectualidade brasileiiira é colonizada pela ideologia norte-americana". É com as palavras do diretor Glauber Rocha (1939-1981), ícone do Cinema Novo, que o Zefirina Bomba abre #3 (Subfolk), disco que o power trio lança hoje, por volta das 19 horas, quando sobe ao palco do Festival Mundo, na Usina Cultural Energisa, em João Pessoa.

O sampler é uma das novidades do novo trabalho, mas nada de sofisticados recortes eletrônicos. “A gente fez tudo artesanalmente, gravando direto da TV”, afirma Ilsom Barros, vocalista. Foi assim que ele incluiu um trecho do documentário mexicano Hijos del Pueblos ("Filhos do povo", em português), lançado em 2003.

Há também uma obscura declamação de Zé Ramalho, registrada no raro compacto Réquiem para o Circo – Made in PB (1976), e ainda um pequeno comentário do jornalista Paulo Francis (1930-1997) sobre o dever do Estado em alimentar o povo, que é emendada à faixa ‘Dignidade’.

O CD ainda traz uma frase do quadrinista Biu (co-autor da HQ Blue Note, “Eu voto / tu votas / eles voltam / Nos vandalizamos / Vos arnarquizais / Eles que se f**am!”, captada do próprio autor numa ligação que Ilsom fez para o paraibano radicado em Brasília.

O Zefirina continua investido no "noisecoregroovecocoenvenenado", mas as letras, curtas, cruas e diretas, estão mais politizadas, vide músicas como 'Rudemente educando o Estado' (um punk furioso de oito segundos) e 'Dissonante/S.U.S.'

A ideia é sintetizada logo no encarte, quando, junto à letra de 'Melvins', faixa que abre o repertório, está grafada uma citação do poeta Lau Siqueira: "Se a palavra é pedra, poesia é vandalismo”.

O verso está entre ‘Melvins’ e ‘4ª sinfonia’ (“Dignidade? Moral? É a invenção de um sonho americano”). As letras respiram o noticiário internacional e com uma turnê pela Europa na bagagem e um convite para o balado festival norte-americano South By Southwest (SxSw) no ano que vem, o grupo também investe no inglês.

'A-Misérica', por exemplo, tem letra escrita em “espanglês”. ("A-Meérica es you?", diz o refrão). Já 'Outing' sequer tem dez palavras, mas o inglês é mais "very well". Lembra o Nirvana, no comecinho da carreira.

Aliás, tal qual a banda de Seattle, que afirmou que In Utero (1993) era uma resposta anticomercial ao que eles haviam se tornado com Nevermind (1991), Ilsom conta que queria um som propositalmente sujo e distorcido para esse novo trabalho, que além do Nirvana, segundo ele, encontra ecos em Sonic Youth e Arto Lindsey.

Com 17 faixas gravadas em João Pessoa, #3 segue mantendo a premissa do trio paraibano: eles só precisam de 20 minutos para rachar sua cabeça.

UM ENCONTRO DE CENÁRIOS

Os cenários das artes cênicas e do audiovisual também se encontram no Festival Mundo: outras artes dividem a atenção dos fãs da música com a exibição de curtas-metragens e apresentações de grupos de teatro, dança e circo, hoje e amanhã, na Usina Cultural Energisa.

Enquanto, a partir das 19h30, na Sala Vladimir Cavalho, a mostra do coletivo Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) exibe vídeos produzidos este ano, durante a 'Primavera de Junho', várias performances mantém o público no clima para os shows musicais que ocorrem no palco.

Hoje, às 19h30, o Coletivo Tribo Éthnos apresenta o espetáculo Ethnotron - Ghetto Experiment no palco 1 do evento. Amanhã, às 17h30, o Caminhão de Palhaço estaciona na Usina Cultural Energisa e da sua boleia saem os grupos teatrais Los Iranzi, da Paraíba, e Carroça de Mamulengo, do Ceará. (TG)