VIDA URBANA
Acessibilidade: um dos principais desafios de Campina Grande
Solução, segundo a prefeitura, vem a longo prazo com a execução do plano de mobilidade na prática.
Publicado em 11/10/2016 às 6:26
Mesmo sendo reconhecida como moderna e inovadora, Campina Grande coloca em xeque tais títulos quando o assunto é acessibilidade, um dos principais elementos da mobilidade urbana. Chegando aos seus 152 anos, a cidade ainda apresenta inúmeros problemas, como calçadas irregulares, poucas rampas de acesso e falta de sinalização específica. Com tantas dificuldades, não consegue garantir um dos direitos mais básicos da população, o de ir e vir. Mesmo sendo um tema bastante discutido, a mobilidade se apresenta como um sonho distante, mas possível.
Os problemas são ainda maiores quando se leva em consideração a população mais afetadas pela falta de acessibilidade, como os deficientes físicos, visuais, idosos e pessoas com pouca capacidade de locomoção. A simples ação de atravessar a rua, por exemplo, se transforma em um grande desafio para um pessoa que necessita de uma cadeira de rodas para se locomover. É o caso da psicóloga, Inácia Feitosa, 55 anos, que teve poliomielite quando ainda era criança e desde os 15 anos usa cadeira de rodas. Para se descolar, ela usa um automóvel, mas os problemas aparecem quando o asfalto é trocado pelas calçadas e o carro pela cadeira.
“Nós não temos acessibilidade e só encontramos barreiras de todas as espécies. Desde você sair de casa ao Centro da cidade ou até mesmo aos bairros você enfrenta vários obstáculos. As poucas rampas que existem não têm a inclinação adequada, então você despende um esforço com os braços muito grande porque além do seu peso você leva também o peso da cadeira. Com um tempo vai tendo um desgaste em toda a musculatura e você pode desenvolver problemas nos ombros, cotovelos e punhos”, disse.
Inácia acrescenta ainda que existe um processo de frustração para quem depende exclusivamente das boas políticas de acessibilidade para se locomover e chega a se sentir invisível em meio a correria de uma cidade movimentada, onde chega a disputar espaço com veículos para conseguir chegar ao destino desejado.
“Faz trinta anos que moro nessa cidade e sempre batalhei nesse sentido e é frustrante, porque a gente bate na mesma tecla tentando sensibilizar o poder público, mas é como se você tivesse batendo em pedra. O que é que impede que as pessoas com deficiência sejam vistas? Quando você entra nesse processo de frustração, se sente realmente invisível. Recentemente eu passei por essa sensação quando fui votar. As portas da escola com acessibilidade estavam fechadas e eu voltei para casa sem votar”, complementa.
Diferente de Inácia, que usa o esforço físico para driblar os problemas ocasionados pela falta de acessibilidade, a secretária Socorro Bispo, 57 anos, que tem apenas 25% da visão e precisa ter certa sensibilidade para adivinhar o que vem pela frente, como os obstáculos que a coloca em extrema situação de risco, enfrentando desafios para andar pelas ruas de Campina Grande. Para se ter uma ideia da gravidade do problema, Socorro chega a trocar as calçadas irregulares pelo asfalto porque se sente mais segura.
“Eu tenho todas as dificuldades do mundo para andar. Não posso andar nas calçadas porque elas são totalmente irregulares. Eu não enxergo com perfeição, porque eu tenho baixa visão e a tendência é tropeçar nos obstáculos, por isso eu prefiro andar no meio da rua, mesmo com o risco de competir com os carros e levando impropérios. Em quase todos os bairros eu não ando em calçadas”, pontuou.
Comissão municipal de acessibilidade será regulamentada
Para debater o tema e encontrar soluções que amenizem os problemas ocasionados pela falta de acessibilidade, existe, em Campina Grande, o Fórum Permanente de Políticas Públicas de Inclusão a Pessoa com Deficiência. O professor Lívio Silva, um dos membros do fórum, explica que existe uma luta diária para que se tenha a garantia de maior acesso dos deficientes aos locais públicos da cidade e que está sendo criada uma comissão municipal para ajudar na elaboração de políticas para essa área. .
“Nós temos tentado sensibilizar o poder público para começar a estabelecer políticas públicas que beneficiem simplesmente algo em torno de 88 mil pessoas em nossa cidade. Estamos agora em fase de regulamentação de uma comissão municipal de acessibilidade, que é exatamente o órgão que vai auxiliar o município na indicação e na elaboração das políticas necessárias para beneficiar as pessoas com deficiência, explicou o professor Lívio Silva.
Para o professor e membro do fórum, ainda há muito o que fazer, mas o principal ponto é garantir que as empresas responsáveis pelas obras públicas cumpram os requisitos de acessibilidade nas construções. “Os prédios públicos não são adaptados, inclusive os novos, que estão sendo construídos sem atender os requisitos de acessibilidade. Nós não temos ainda uma legislação específica no município que respeite os decretos federais e que condicione, por exemplo, o fornecimento para construções de uso público e de uso coletivo ao atendimento dos requisitos de acessibilidade conforme a lei preconiza”, disse.
Campina Grande é pioneira no Plano de Mobilidade Urbana
O Plano Diretor de Mobilidade Urbana de Campina Grande (PlanMob-CG), foi criado no ano de 2015, de maneira pioneira, na Paraíba, em conformidade com a Lei Federal nº 12.587/2012, que obriga os município que tem mais de 20 mil habitantes a apresentarem um planejamento. Dentro do plano, estão previstas ações para melhorar a vida de pessoas como Inácia e Socorro, já que um dos pontos abordados no documento é justamente a acessibilidade, garantindo e preservando a qualidade de vida das pessoas e amenizando os problemas enfrentados pelos deficientes físicos.
O Plano foi desenvolvido ao longo de 10 meses e submetido a consultas e audiências públicas junto a população para sugestões, confecção e aprovação. Contou também com a participação de entidades representativas da sociedade, Comitê Técnico de Mobilidade Urbana de Campina Grande (CTMU), Conselho Municipal de Transportes Públicos, Conselho Municipal das Cidades, participação da sociedade em geral e do Poder Legislativo Municipal no processo de institucionalização do Plano, com contribuições diversas para o fechamento do capítulo de diretrizes do plano técnico.
De acordo com o secretário de obras e planejamento de Campina Grande, André Agra, a regulamentação da comissão, responsável por fiscalizar e apontar eventuais erros nas obras públicas, será feita após o feriado. “No plano de mobilidade a gente previu a criação de uma comissão de mobilidade com representantes de entidades civis, inclusive de pessoas com deficiência que vão fazer o acompanhamento das obras públicas. A gente já criou e agora estamos na fase de regulamentação, vamos ter a primeira audiência pública após o feriado para regulamentar a comissão que vai fiscalizar a acessibilidade na cidade” explicou.
O secretário disse ainda que as obras que já existem em Campina Grande vão passar por um processo de readaptação, a longo prazo, para que se adeque às necessidades das pessoas com deficiências. Ele citou o exemplo das calçadas particulares, que hoje são feitas de maneira irregular e terão que passar por ajustes para proporcionar mais acesso aos deficientes. André Agra falou ainda que o Complexo Habitacional Aluízio Campos está sendo construído com um novo conceito de acessibilidade, com interruptores em braile.
De acordo com o plano, também está prevista a implementação de Projeto de Humanização do centro da cidade com prioridade para o transporte não motorizado. Prevendo ainda, restrição do tráfego de passagem, alargamento de calçadas, segurança para o pedestre e ciclista e atenção especial para o transporte coletivo. Ações que serão colocadas em prática durante um período de 20 anos, e representam o início da realização de um desejo de muitos campinenses que sonham com mais acessibilidade.
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