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VIDA URBANA

Opinião: Um beliscão e um tapinha são primos de um tiro...

Mapa da Violência mostra que cerca de 30% foram mortas por parceiro ou ex-parceiro.

Publicado em 24/02/2019 às 7:00


                                        
                                            Opinião: Um beliscão e um tapinha são primos de um tiro...
Foto: Divulgação

				
					Opinião: Um beliscão e um tapinha são primos de um tiro...
Empresária carioca que foi espancada e torturada por quatro horas por namorado. Foto: Divulgação. Foto: Divulgação

Na praça de alimentação de um shopping center de João Pessoa, um casal de namorados conversa enquanto faz um lanchinho. Dois copázios de refrigerante e dois sanduíches bem caprichados... Conversa risonha firulando os olhares com tanto brilho. Ele faz uma piadinha com o jeito dela comer. Ela desfaz o sorriso e sapeca um beliscão no braço do namorado. Ele solta um grunhido e dá um tapa no braço da moça, iniciando uma gargalhada. Ela gargalha e devolve com um tapa – também no braço. E tudo termina ‘bem’... Na mesa ao lado, boquiaberto, não consigo alcançar a motivação das gargalhadas. Aquela violência parece nem ser vista como violência pelos dois pombinhos (que não são da paz).

Uma pesquisa do Instituto Locomotiva aferiu que 2% dos homens admitem espontaneamente ter cometido violência sexual contra uma mulher. Mas, ainda conforme a pesquisa Percepções e comportamentos sobre violência sexual no Brasil”, de 2016, diante de uma lista de situações, 18% reconhecem terem sido violentos. O mesmo levantamento revela que 54% conhecem uma mulher que já foi agredida pelo parceiro. Em todas as classes econômicas.

Dificilmente, essa violência surge do nada... Ela se anuncia, mas não é vista como violência. Sabe aquele beliscão do jovem casal apaixonado? Sabe aqueles tapinhas do jovem casal apaixonado? Eles são primos do tiro... Não há nada de romântico ou saudável em um beliscão! Não é bonitinho. Não é ‘coisa de quem ama muito’. Um beliscão é – percebam o grau de complexidade – quase uma tentativa de assassinato...

Também há casos ainda mais surreais, como o da empresária carioca (que foi agredida por um jovem que ela conheceu nas redes sociais). Após um encontro físico e uma noite de sono, foi acordada aos sopapos. Apanhou tanto que fiou com o rosto desfigurado. O agressor, ainda bem, foi preso. Na cadeia, alegou ter sofrido um ‘surto psicótico’.

Lembro de, em outra coluna, ter registrado aqui que as estimativas variam, mas em geral calcula-se que sejam apenas 10% do total dos casos que realmente acontecem. Ou seja, o Brasil pode ter a medieval taxa de quase meio milhão de estupros a cada ano. A cada sete segundos uma mulher é vítima de violência doméstica. A cada sete segundos uma mulher leva uma bordoada, conforme o Instituto Maria da Penha. Em 2013, 13 mulheres morreram todos os dias vítimas de feminicídio.

O Mapa da Violência mostra que cerca de 30% foram mortas por parceiro ou ex-parceiro. Um número chama muito a atenção nessa nódoa. O assassinato de mulheres negras aumentou (54%) enquanto o de brancas diminuiu (9,8%). A violência aumenta onde a informação não surte efeito (às vezes nem chega) e a desigualdade social é elevada. A conscientização não é fácil quando as maiores preocupações são ter o que comer e não ser assassinado.

Ainda assim, duas em cada três universitárias brasileiras disseram já ter sofrido algum tipo de violência (sexual, psicológica, moral ou física) no ambiente universitário, de acordo com a pesquisa “Violência contra a mulher no ambiente universitário”, do Instituto Avon, de 2015).

Duas mulheres conversando... Saiba: uma delas já foi agredida pelo parceiro. Problema é que 85% da população acredita que mulheres que denunciam seus parceiros correm mais riscos de sofrer assassinato. Há o medo... Há a vergonha... Não denunciam. Sequer se separam... Há uma descrença na Justiça. Inúmeras pesquisas mostram, há anos, a vergonhosa prevalência da violência contra as mulheres no Brasil. A realidade, no entanto, muda pouco. Também não muda o tratamento destinado aos agressores, classificados como loucos e anti-sociais, quando na verdade são o contrário: homens perfeitamente inseridos em uma sociedade que não dá o menor valor às vidas das mulheres. Não aceite um beliscão ou um tapinha. Isso pode virar algo muito pior!

Em tempo: ainda a respeito da empresária carioca que foi espancada e torturada por quatro horas, no Rio de Janeiro, impressiona como muitas pessoas tentam culpabilizá-la pelo que aconteceu. A vítima tem sido transformada em vilã por ter ‘levado para casa uma pessoa que ela não conhecia’. Esse tipo de opinião faz lembrar um beliscão e um tapinha...

* Jamarrí Nogueira escreve sobre arte, cultura e comportamento no Jornal da Paraíba aos domingos

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Angélica Nunes

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