ECONOMIA
Tributação e Desigualdade de Gênero: as mulheres pagam mais impostos! Será?
"É possível diminuir as desigualdades sociais por meio da tributação", afirma Dayse Chaves.
Publicado em 17/10/2020 às 6:20 | Atualizado em 17/10/2020 às 11:41
Inicialmente, nos parece uma afirmativa difícil de responder, logo, o fato é que a tributação altera a renda disponível dos indivíduos, a depender das rendas e do tipo de gastos, a distribuição de renda entre as mulheres e homens se altera na medida em que muda sua renda disponível diretamente ou indiretamente a depender das diferentes atividades desenvolvidas.
As mudanças demográficas, do mercado de trabalho e das estruturas familiares tendem a reforçar o papel das mulheres como responsáveis pelo sustento de suas famílias. A exemplo disso, em 1995, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra a Domicílios (PNAD-IBGE), somente 22,9% das famílias eram chefiadas por mulheres, já em 2018, o percentual passou a 44,3%.
Apesar do aumento dos domicílios cuja chefia é feminina, esses estão principalmente alocados nas menores faixas de remuneração. Em 2018, 56,8% dos domicílios que eram chefiados por mulheres, possuíam renda per capita de até 1 salário mínimo, comparando com 51,2% dos chefiados por homens.
Quando responsáveis pelos domicílios, homens e mulheres possuem perfis de consumo diferentes, resultante tanto das desigualdades salariais, como também relacionados com as construções de gênero. Essa tendência é facilmente identificada, ao tempo em que as mulheres, quando são responsáveis pela manutenção dos domicílios, a maior parcela de suas rendas são gastas em itens de consumo básicos, como alimentação, vestuário e habitação. Por outro lado, os homens, gastam maior parcela da renda com bens ligados a transporte, bebidas, fumo e aumento dos bens.
É possível diminuir as desigualdades sociais por meio da tributação. Ainda que a incidência de tributação indireta e regressiva seja alta no Brasil, a desoneração de tributos sobre a cesta básica tende a penalizar menos os domicílios cuja chefia é feminina. Por outro lado, os homens pagam maior carga tributária total, devido principalmente às despesas ligadas aos impostos diretos, contribuições trabalhistas e transportes.
Ao aprofundar a análise tributária de produtos femininos, é possível constatar que sobre a tributação do consumo, há um abismo gritante. As diferenças dos preços e dos tributos de produtos destinados a mulheres, geralmente mais caros, é uma realidade mesmo em países como Inglaterra, Estados Unidos e França.
Essa é uma discussão ainda prematura, assuntos relacionados com a tributação das mulheres, para alguns, chamado de “tax women”, “pink tax”, não é muito comum, contudo, tem se tornado cada vez mais atual. “Pink tax” (também conhecida como taxa rosa ou imposto rosa – é um fenômeno acompanhado há alguns anos em todo o mundo. Este efeito acontece quando produtos oferecidos ao público feminino são oferecidos por preços muito mais elevados na comparação com os mesmos produtos direcionados ao público masculino).
A “Pink tax” é uma realidade no cotidiano das mulheres em todo o mundo. Se esquivar deste imposto rosa não é fácil, mas é possível. Uma alternativa é estar sempre atenta a eventuais discrepâncias entre preços de produtos masculinos e femininos no mercado e evitar adquirir aquele que está sendo comercializado por um preço mais caro sem, na prática, lhe oferecer quaisquer diferenciais.
Segundo a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) por meio de um estudo realizado em 2018, no Brasil, restou comprovado que, em média, os produtos e serviços destinados ao público feminino são 12,3% mais caros. Nos Estados Unidos, o Consumer Affairs (DCA), em parceria com a Prefeitura de Nova York, analisou 794 produtos, de 35 categorias diferentes, onde constatou que, numa média geral, produtos femininos custam 7% a mais do que produtos masculinos. Na categoria de produtos de higiene, essa diferença chega a 13%. No Reino Unido, o jornal The Time identificou que os produtos femininos custavam, em média, 37% a mais.
O Brasil é um dos países que mais tributam absorventes e tampões, considerando as incidências de PIS, CONFINS e ICMS. Um contrassenso lógico nessa tributação se dá ao fato de que esse ônus é assumido exclusivamente pela mulher e em razão de condições biológicas imutáveis, são tributadas em razão de seu sexo.
No nosso entender, esse fator se torna ainda mais relevante quando estamos em um cenário no qual as mulheres ganham menos que os homens, mesmo ocupando os mesmos cargos, o que, na prática, constitui-se uma tributação regressiva, quando analisamos os impostos sobre renda e consumo, e isso não é privilégio apenas do Brasil, também é possível constatar tal fator em outros países.
Na maior parte dos países europeus produtos de higiene menstrual são sujeitos à tributação como itens não essenciais e de luxo, considerando o IVA, imposto sobre valor agregado. Na Dinamarca, por exemplo, são onerados à alíquota de 25% e na Alemanha à alíquota de 19%. No Brasil, a depender do Estado, os tributos podem ser responsáveis por 25% do valor do produto.
Por outro lado, há quem defenda uma tributação única para todos os produtos, independentemente para quem se destine,seja homem ou mulher, rico ou pobre, entende-se que com a tributação única haverá uma melhor distribuição da tributação para todas as classes e que o resultado da arrecadação será revertido aos menos favorecidos, em forma de educação, saúde e previdência assistencial, defendem ainda, que as alíquotas reduzidas não são repassadas ao consumidor. Importante destacar que mais de 50% dos países no mundo tem alíquota única.
No Brasil, estamos durante um processo de análise de propostas para reforma tributária e um ponto que lamentamos por não está na pauta é a reforma da sistemática do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), seria a oportunidade de promover ajustes na tributação da família e extinguir as desigualdades de gênero que ainda são altíssimas em nossa legislação. Em pleno século XXI ainda há países onde a declaração de imposto de renda das mulheres casadas é conjunta com a do marido, evidenciando uma clara limitação sob o aspecto tributário.
É bem verdade que muitos países tentaram eliminar o preconceito de gênero explícito e implícito nos sistemas tributários, em alguns, o tema já está bem consolidado, enquanto outros, fizeram pouco progresso. A diversidade nas normas culturais, sem dúvida continua a apresentar diferentes pontos de vista sobre o que constitui discriminação e a necessidade de mudança. Mediante o cenário apresentado a respeito da tributação das mulheres, ainda que em breve síntese, vislumbra-se a relevância do tema e a necessidade de aprofundar pesquisas a respeito dos seus desdobramentos, com a identificação de possíveis soluções, pois tais fatores trazem vários problemas sociais que precisam ser combatidos, a desigualdade, qualquer que seja, é um deles.
*Dayse Chaves é advogada especialista em Direito Tributário e diretora fundadora do Instituto de Pesquisas Fiscais (IPF)
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