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ECONOMIA

O mercado de limões de Akerlof e os efeitos econômicos do devedor contumaz

Para especialista, é preciso desconstruir o mito de que "brasileiro é mau pagador de imposto”.

Publicado em 24/10/2020 às 7:04 | Atualizado em 24/10/2020 às 16:00


                                        
                                            O mercado de limões de Akerlof e os efeitos econômicos do devedor contumaz

O economista americano George Arthur Akerlof resolveu analisar o mercado de carros usados nos Estados Unidos e percebeu que os carros de boa qualidade deixaram de ser vendidos em detrimento dos carros ruins. Entre diversas justificativas possíveis, a assimetria informacional do mercado chamou atenção. Como os compradores não detinham conhecimento quanto à qualidade dos carros que estavam sendo comprados, optavam, na grande maioria das vezes, pelo preço médio de mercado, o que resultou no aumento da compra de carros de baixa qualidade (limões).

A conclusão foi de que, quanto mais carros de baixa qualidade houver no mercado, menor a qualidade média e menor será o valor de comércio dos carros usados. Seguindo a Lei de Gresham, em que a “moeda ruim expulsa boa”, a seleção adversa faz com que os maus vendedores expulsem os bons vendedores, ocasionando um colapso no mercado.

Essa relação também é percebida nos mercados ocupados pelos devedores contumazes, qualificado como aqueles que deixam de pagar tributos, não por problemas efetivos de caixa, mas sim para vender produtos mais baratos que a concorrência e ganhar o mercado rapidamente. No Brasil, mostram-se comuns nos setores de combustível, bebidas, cigarros, medicamentos, alimentos e restaurantes.

No cenário tributário, os atores contumazes possuem débitos fazendários de forma sistemática, sem a menor perspectiva de quitação e com acumulo premeditado. Aqueles que cumprem o seu dever constitucional e quitam suas obrigações tributárias não conseguem competir com estes que não pagam, uma vez que são onerados com maiores custos em sua cadeia produtiva, dando ensejo a distúrbios concorrenciais, ao abuso da posição dominante e até mesmo à insolvência por parte da concorrência.

Entre tantas medidas que precisam ser tomadas para restabelecer o equilíbrio de mercado, duas ganham especial destaque. A primeira reside na desconstrução do mito do “brasileiro é mau pagador de imposto” ou “o empresário brasileiro não gosta de pagar tributo”. Mentiras dessa estirpe possuem um único objetivo: proteger o mau pagador de tributos em detrimento do bom. Felizmente, por mais que se conte uma mentira mil vezes, ela continua sendo uma mentira, ao menos sob o ponto de vista estatístico. Conforme dados de 2019, do total de 16 milhões, 112 mil e 119 empresas ativas, apenas 7,8% possuem débitos inscritos em dívida ativa da União e, desse total, 0,6% são responsáveis por 70% dos débitos, evidenciando uma grande concentração da dívida nos chamados “grandes devedores” (pessoas com débitos acima de R$ 15 milhões).

A desconstrução passa, portanto, pelo conhecimento, por parte da sociedade, das empresas que verdadeiramente custeiam a sociedade. Aquele que cumpre seu dever social de pagar tributo precisa ser valorizado, gozando de maior facilidade nas resoluções de seus problemas fiscais, enquanto que o mau pagador necessita prestar contas com a população, uma vez que deixou de contribuir para o financiamento e o fortalecimento do Estado. De modo a concretizar o engajamento social, a PGFN lançou o aplicativo chamado Dívida Aberta, o qual apresenta os devedores inscritos em dívida ativa da União ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), informação disponível na palma da mão de todos os consumidores.

A segunda medida é a edição de lei específica para identificação do devedor contumaz. O assunto está sob análise no Congresso através do Projeto de Lei 1646/2019, que considera devedor contumaz aquele “contribuinte cujo comportamento fiscal se caracteriza pela inadimplência substancial e reiterada de tributos” (art. 1º). Já o §1º, do art. 2º, considera inadimplência substancial e reiterada a existência de débitos, em nome do devedor ou das pessoas físicas ou jurídicas a ele relacionadas, inscritos ou não em Dívida Ativa de União, de valor igual ou superior a R$ 15 milhões, em situação irregular por período igual ou superior a um ano. As consequências, segundo o art. 3º, serão o cancelamento do CNPJ e o impedimento de fruição de quaisquer benefícios fiscais pelo prazo de 10 anos, inclusive adesão a parcelamentos, remissão, anistia ou utilização de prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa do IRPJ/CSLL.

Destaque-se que alguns Estados já contam com normas específicas sobre devedores contumazes, a exemplo do Paraná (Decreto nº 3.864/2016), Rio Grande do Sul (Decreto nº 48.494/2011), Bahia (Lei nº 13.199/2014), Alagoas (Lei nº 7.747/2015) e Espírito Santo (Lei nº 9.907/2012).

Espera-se, com essas medidas, que o equilíbrio de mercado seja restabelecido, seja da perspectiva do preço justo (fair price), seja da perspectiva fiscal. Fazendo uma analogia com a Lei de Gresham, pode-se dizer que o combate ao devedor contumaz atrai um ambiente de negócios mais saudável e evita a proliferação de limões.

* Yuri Excalibur de Araújo Pereira é  especialista em Direito Tributário e MBA em Gestão Tributária; é diretor fundador do IPF; e procurador da Fazenda Nacional com atuação na Coordenação de Estratégia Judicial.

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Jhonathan Oliveira

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