VIDA URBANA
Ausência da despedida aumenta a dor de quem perdeu alguém para a Covid-19
No Dia de Finados, parentes de vítimas falam sobre luto e a saudade durante a pandemia.
Publicado em 02/11/2020 às 7:15 | Atualizado em 02/11/2020 às 13:07
O novo coronavírus já tirou a vida de mais de 3 mil paraibanos. Em todo o país, o número de mortos pela Covid-19, infelizmente, já passou de 160 mil. Pais, mães, irmãos, maridos, esposas e tantos outros entes queridos que se foram na pandemia poderão ser homenageados nesta segunda-feira (2), feriado do Dia de Finados. Mas a dor da 'não despedida' parece não passar apenas com as celebrações.
Os protocolos de biossegurança impediram, também, a realização de toda a cerimônia envolta da morte e do sepultamento de pessoas infectadas. Na Paraíba, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) orienta pela não realização de velórios, inclusive para evitar aglomeração de pessoas e possíveis contágios pela Covid-19. No entanto, a falta dessas situações pode agravar ainda mais o luto vivido pela partida de quem se ama.
É o que Camila Andriola relata. Ela perdeu a avó, dona Maria do Carmo Andriola Machado, e o tio, Elialdo Andriola Machado - mãe e filho. Os dois morreram vítimas do coronavírus, em Campina Grande, no Agreste do estado, em um intervalo de tempo de apenas 12 dias. Outras nove pessoas da família que moravam com eles também contraíram a Covid-19 e, por isso, nenhuma cerimônia fúnebre foi realizada.
"Foi uma situação difícil não só pra mim, mas pra milhares de pessoas que perderam seus entes queridos pra essa doença. Perdemos duas pessoas. A gente mal viveu um luto, já vivenciou outro. Minha avó estava bem em um dia, foi levada ao hospital, no outro a gente já não pode mais falar com ela porque ela já faleceu", comentou.
Camila lembra que a avó foi internada em uma noite de sexta-feira, e no dia seguinte, faleceu. Dona Maria do Carmo Andriola deu entrada no hospital no dia 22 de maio, com sintomas leves da Covid-19, mas no dia 23 de maio, após ser transferida para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), faleceu.
O filho de dona Maria, Elialdo Andriola Machado, levou a mãe para o hospital, e 12 dias depois também não resistiu ao coronavírus. Até então, antes da mãe ser hospitalizada, Elialdo Andriola não havia apresentado sintomas de Covid-19, mas rapidamente seu quadro de saúde pirou e o levou a uma intubação. Ele, que era professor do Departamento de Física, da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), faleceu cerca de uma semana depois de ser hospitalizado, segundo Camila, sua sobrinha.
"Como todos da família foram infectados pelo coronavírus, eu tive que reconhecer o corpo da minha avó. No caso do meu tio, o contato foi mais frequente porque no hospital onde ele ficou, a porta da UTI era de vidro e pelo menos pudemos vê-lo, mesmo de longe. O tempo passa, mas até hoje é um assunto que a gente não quer tocar. Dói.", disse Camila.
"Eu penso neles o tempo inteiro. É inacreditável"
Os irmãos Jones Costa de Lima, de 36 anos, e Jean Carlos Costa de Lima, de 34 anos, também estão entre as mais de 3 mil vítimas do coronavírus na Paraíba. Eles moravam no município de Guarabira, no Brejo paraibano, e estavam internados no Hospital de Campanha instalado em Santa Rita, Região Metropolitana em João Pessoa. A triste coincidência nessa história é que, infelizmente, os dois irmãos não resistiram e acabaram falecendo no mesmo dia.
A irmã de Jones e Jean, Jéssica Lima, comentou sobre a perda. Para ela, a "não despedida", imposta pelo risco de contaminação pelo novo coronavírus, agravou ainda mais o luto vivido.
"Lembro deles quando acordo, o dia inteiro, quando vou dormir. E pelo fato de não ter visto a imagem deles no caixão, a imagem que tenho deles com vida, é conversando comigo quando éramos criança, das nossas brincadeiras, nossas brigas... Depois de adultos, lembro da gente conversando, falando que depois que passasse essa pandemia iríamos nos juntar para comemorar... Às vezes me pego pensando que foi mentira", disse Jéssica.
Ela também comenta que, mesmo sendo Dia de Finados, ainda não consegue ver fotos ou ouvir as vozes, por meio de áudios, dos irmãos. Este feriado de 2 de novembro, datado em uma época tão dolorosa da vida de Jéssica, assim como para milhares de pessoas que perderam quem amavam para a Covid-19, será só mais um, e não o dia do luto.
"Ainda é muito pesado pra mim viver essa realidade. Está sendo muito difícil pra mim e também pra minha família, pra minha mãe que perdeu dois filhos. Não é só porque é Dia de Finados que eu vou pensar mais neles, não. Eu penso neles o tempo inteiro. É inacreditável" desabafou.
O que diz a psicologia
Apesar de iniciais, os estudos sobre a relação do luto, ou do 'não luto', vivido por pessoas que perdem entes queridos para a Covid-19, já existem. De acordo com a psicóloga Cristina Costa, que atua em Campina Grande, as pesquisas apontam para graves prejuízos causados pelo processo de ausência familiar no rito necessário ao luto, ou seja, a falta de afeto familiar no momento da morte de alguém e nas cerimônias fúnebres.
"A Covid-19 é a doença do medo e da solidão, porque promove o isolamento. Sempre que temos alguém doente, visitamos, mas com a Covid-19 é diferente, porque é uma doença que separa. A gente sofre por não poder acompanhar... A família sofre e o doente se apavora", explicou.
Cristina também explica que a partir da necessidade de suspensão da despedida, em momentos como o velório e o sepultamento, evidencia uma lacuna imensa no que a psicologia chama de "experiência da morte", ou seja, o processo necessário ao entendimento sobre a perda de um ente querido. Uma vez não "ressignificado", esse luto pode, inclusive, desencadear um processo depressivo.
"Quando evolui pra uma morte, acontece a separação sem ter a caminhada, que chamamos de preparação para a perda. Você é colocado de frente para a morte instantaneamente e não pode cumprir o rito do sepultamento." comentou.
A psicóloga ainda explicou que, para passar pelo luto, as pessoas que perderam algum ente querido vítima do coronavírus precisam se apegar às memórias afetivas experienciadas em vida. Outra estratégia é a aproximação familiar entre os parentes, de forma a promover, ainda que virtualmente, uma convivência saudável para todos.
"As pessoas precisam ressignificar o luto através da percepção de memórias afetivas. Não é querer viver o que não viveu, mas lembrar do que viveu para se fortalecer, porque o que sara as feridas são as memorias. Então, converse com a família, com os demais membros, distribua afeto e receba afeto.", orienta.
Sob supervisão de Jhonathan Oliveira*
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