QUAL A BOA?
Grande filme, Cabra Marcado Para Morrer permanece íntegro
Publicado em 13/02/2017 às 9:43 | Atualizado em 22/06/2023 às 13:55
Vejo que Cabra Marcado Para Morrer será exibido esta semana no campus da UFPb, em João Pessoa. É sempre bom rever o documentário de Eduardo Coutinho.
Em 1984, no lançamento, Cabra Marcado Para Morrer, de Eduardo Coutinho, dividiu espaço com outro documentário. Era Jango, de Sílvio Tendler. No Brasil que lutava pelas eleições diretas para presidente, os dois filmes contavam histórias pré-1964, mas tinham uma diferença básica. O de Tendler falava da luta política sob a perspectiva da elite. O de Coutinho se debruçava sobre os que ficaram à margem.
Em 1981, quando retomou o projeto (interrompido pelo golpe de 64) de filmar a história do líder camponês João Pedro Teixeira, Eduardo Coutinho não sabia direito o que fazer. Tinha imagens registradas em 1964 e algumas fotos de cena. O caminho não seria mais o da ficção, posto que as circunstâncias o levavam ao documentário. Agiu como um repórter. Voltou a Pernambuco à procura dos agricultores com quem havia filmado antes que os militares tomassem o poder. Fez mais: saiu em busca de Elizabete Teixeira, a viúva de João Pedro, que encontrou vivendo na clandestinidade numa cidadezinha do Rio Grande do Norte, onde era chamada de Marta. A reportagem de Coutinho é o que vemos em Cabra Marcado Para Morrer.
Poucos filmes brasileiros me impressionaram tanto quanto este. Mais até pela sua absoluta originalidade, do que pelo seu conteúdo político e ideológico. Um cineasta, com os restos de um filme inacabado, reencontra pessoas humildes que, 17 anos antes, tentou transformar em atores e mostra a elas as imagens do passado. Neste retorno, grava depoimentos cuja força vai muito além da luta na qual elas se envolveram. A miséria, as perseguições, a tortura, as tragédias familiares, a fé – as conversas de Eduardo Coutinho com seus personagens tocam em questões permanentes do homem. Não fala só de homens inseridos num determinado contexto histórico.
Claro que Cabra Marcado Para Morrer é importante porque resgata um pedaço da nossa história recente que poucos contaram. Lembro bem do dia em que o cineasta chegou à redação de A União à procura dos arquivos do jornal. Testemunhei a conversa dele. Não escondia que retomava um projeto interrompido em 1964, mas falava pouco de como seria esta retomada. Talvez ele próprio ainda não soubesse. Nunca imaginei que, naqueles dias de 1981, estava em gestação um dos grandes filmes brasileiros. Hoje, claro que não há mais o impacto da estreia em 1984. Mas Cabra Marcado Para Morrer conserva a sua integridade. E tudo o que tem de original.
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