COTIDIANO
Roberto Carlos é um cara que merece ser chamado de Rei!
Publicado em 19/04/2017 às 5:55 | Atualizado em 31/08/2021 às 7:45
Roberto Carlos chega aos 76 anos nesta quarta-feira (19) como o artista mais popular da música brasileira e um dos mais amados pelo público. Se voltarmos a 1965, podemos dizer que, àquela época, quando alcançou o topo das paradas com Quero que Vá Tudo pro Inferno, ninguém imaginava que o cantor que se consolidava como ídolo da juventude se transformaria nesta figura a quem chamamos de Rei – nem seus ouvintes, nem os críticos, muito menos os marqueteiros que criaram a Jovem Guarda, o programa de televisão comandado por Roberto todos os domingos na antiga TV Record.
Nascido em Cachoeiro do Itapemirim, Roberto Carlos Braga cantava desde menino. Começou a atuar profissionalmente no Rio de Janeiro em 1959, como crooner de boate. Suas primeiras gravações confirmam que tentou entrar na turma da Bossa Nova. Não conseguiu. O disco de estreia soava como um pastiche de João Gilberto. O caminho seguinte foi o rock, mas a contenção de sua performance vocal e o perfeccionismo que o acompanha desde cedo mostram que incorporou ao seu canto algo da lição de João, o homem que criou a batida da Bossa Nova ao violão ao gravar Chega de Saudade.
O espírito transgressor e a ingenuidade do rock primitivo estão presentes nas músicas que deram dimensão nacional a Roberto Carlos. E são marcas da Jovem Guarda. Mas os sinais de amadurecimento logo seriam notados. Como no disco Em Ritmo de Aventura, de 1967, que já incorpora ao seu repertório canções menos ingênuas e novos timbres fornecidos pelos arranjos de metais e pelas cordas. Ao se desvencilhar do programa de televisão, Roberto Carlos se curvaria às influências da soul music, adesão difundida nos discos gravados entre o final da década de 1960 e o início da de 1970.
Em 1970, gravou Jesus Cristo, inaugurando a extensa série de canções de inspiração religiosa. Em 1971, compôs (com o parceiro, Erasmo Carlos) Detalhes, que muitos costumam apontar como a melhor das suas canções. O espírito transgressor e a ingenuidade do rock primitivo ficavam para trás. Com a linha melódica toda construída a partir de dois acordes básicos (um maior, outro menor), em Detalhes, Roberto e Erasmo recorrem à fórmula simples, mas eficaz, que já tinham utilizado em Sentado à Beira do Caminho e que voltariam a usar diversas vezes dali por diante.
As imagens do documentário Uma Noite em 67, lançado em 2010, mostram que, aos 26 anos, em plena era dos festivais, Roberto Carlos já era um performer com total domínio do palco e da voz. Muito mais do que seus companheiros de geração. Mas a verdade é que o amadurecimento do grande artista que ele é só se deu plenamente na década de 1970. Tempo também em que consolidou uma relação única com o público, associando seus discos aos natais de milhões de brasileiros e se fazendo de fato merecedor do título de Rei, com o qual todos nós, afetuosamente, o tratamos já há várias décadas.
Curiosamente, Roberto Carlos não é uma unanimidade nacional. Ele ainda tem muitos críticos entre os ouvintes do que se convencionou chamar de MPB. Se pensarmos nas restrições que lhe são feitas, encontraremos desde os que defendem o argumento de que somente o repertório antigo é bom, até os que acreditam que suas canções sempre soam melhor nas vozes de outros intérpretes. Ou os que atribuem a Erasmo os méritos que teimam em não enxergar em Roberto. Parecem esquecer que nenhum artista conseguiu inserir tantas canções na memória afetiva dos brasileiros. E isto não é pouco.
Na última década do século XX, Roberto Carlos acabou quebrando a tradição do disco anual com canções inéditas. Na primeira do século XXI, fez duas coisas que nunca havia feito: rendeu-se ao formato acústico que a MTV difundiu em todo o mundo e dividiu um disco com outro artista. Em 2008, ao lado de Caetano Veloso, debruçou-se sobre o repertório de Antônio Carlos Jobim no instante em que eram comemorados os cinquenta anos da Bossa Nova. Ali, às vésperas de festejar meio século de carreira, Roberto voltou à bossa, por onde quis começar quando ainda era um cantor de boate.
Em 2012, o EP com Esse Cara Sou Eu vendeu tanto quanto seus velhos LPs. Em 2015, diante de uma plateia de convidados, regravou velhos sucessos com novos arranjos nos lendários estúdios londrinos de Abbey Road.
Da transgressão ingênua de Parei na Contramão ao grito ecológico de As Baleias, do erotismo de Cavalgada à manifestação de fé de Nossa Senhora – citaríamos dezenas de canções que oferecem um retrato de Roberto Carlos tirado a partir do que ele cantou. Mas ficaremos só com quatro momentos emblemáticos: Quero que Vá Tudo pro Inferno, como síntese da sua rebeldia juvenil; Jesus Cristo, como a canção mais marcante do homem religioso; Detalhes, que se destaca entre as baladas maduras que falam de amor; e Emoções, sensível autorretrato que ele e Erasmo compuseram aos 40.
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