QUAL A BOA?
Eastwood é um grande reacionário que faz grandes filmes
Publicado em 25/07/2017 às 9:22 | Atualizado em 22/06/2023 às 13:55
Por acaso, revi um trecho de As Pontes de Madison na TV. Justamente na cena em que Francesca, a personagem de Meryl Streep, fala de uma foto de Robert Kincaid, interpretado por Clint Eastwood. As pessoas flagradas pela máquina se comportam de modo tão natural que não parece que elas estão sendo fotografadas. O comentário dela leva a um dele sobre a dificuldade de publicar o seu trabalho. E, em seguida, vem uma frase crucial a respeito da dimensão dos artistas. Os que conseguem se projetar e os que não conseguem. Muita gente pode ver o filme e não se deter no conteúdo da conversa. Mas é evidente que ela tem um significado especial. Traz uma reflexão do artista sobre o seu ofício. Não está ali gratuitamente. É Clint que nos fala.
As Pontes de Madison não é um filme comum. Sensível, delicado, sem excessos. Essencialmente belo. Eastwood o conduz como um mestre. E atua ao lado de Streep. Ele, um fotógrafo cumprindo pauta da National Geographic: registrar as pontes do condado de Madison. Ela, uma dona de casa, com marido e filhos, envolvida numa arrebatadora aventura extraconjugal. A história é contada pelos filhos após a morte dela, a partir das anotações deixadas pela mãe. Não há soluções fáceis na narrativa, nem qualquer traço de pieguismo. A história flui tão naturalmente quanto parecem naturais e espontâneas as pessoas anônimas da foto de Kincaid que Francesca admira.
Clint Eastwood é um dos raros cineastas que me fazem sair de casa para ir a um desses cinemas de shopping. Sou contemporâneo da sua estreia na direção, no thriller Perversa Paixão, e o acompanho desde então. Quando começou a dirigir, já passara dos 40 anos e era um ator de sucesso. Os méritos dos primeiros trabalhos (após Perversa Paixão, veio o western O Estranho Sem Nome) ainda não indicavam que se transformaria num dos grandes cineastas do mundo. O ator dirigido na juventude por Sergio Leone e Don Siegel logo superaria os dois professores e realizaria filmes muitos melhores do que os westerns italianos do primeiro e as produções B do segundo.
Como cinéfilo, cultuo os westerns americanos. Meus tios diziam que eles eram bons porque tinham poucos tiros. Sempre detestei os italianos (que tinham tiros em demasia), inclusive os de Leone. Nunca os compreendi. Eastwood se tornou conhecido filmando com Leone, mas, uma vez diretor, acabou ajudando a retirar o gênero do ostracismo em que se encontrava quando realizou ao menos um western à altura dos clássicos: Os Imperdoáveis. Republicano e reacionário, Clint dedicou o filme a Leone e a Siegel. Mas poderia ter dedicado a John Ford, tão republicano e reacionário quanto ele. Premiado com o Oscar, Os Imperdoáveis já chegou aos cinemas com a feição de verdadeiro clássico.
O cinema de Clint Eastwood cresceu à medida em que ele envelheceu. Seja em Bird, retrato de Charlie Parker, o atormentado gênio do bebop, seja no drama As Pontes de Madison. Também no extraordinário Sobre Meninos e Lobos, em Menina de Ouro e Gran Torino. Ainda nos dois filmes sobre a Segunda Guerra, A Conquista da Honra e Cartas de Iwo Jima. Gêneros distintos, temas diversos tratados por um cineasta americano que faz, sim, cinema de autor no sentido que os europeus dão ao termo. Seus filmes são clássicos contemporâneos. O estilo de narrar é seco e direto, lição que aprendeu mais com Siegel do que com Leone. Sem excessos, como os temas minimalistas que compõe.
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