COTIDIANO
RETRO2018/Ofertório
Publicado em 30/12/2018 às 6:45 | Atualizado em 30/08/2021 às 23:36
Republico texto que escrevi no dia 26 de outubro depois de ver o show Ofertório no teatro A Pedra do Reino, em João Pessoa:
Há uns 30 anos, Gilberto Gil disse que ele e Chico Buarque eram de centro. Roberto Carlos e Maria Bethânia, de direita. E Caetano Veloso, o mais à esquerda de todos.
As pessoas não gostaram porque entenderam mal, mas Gil falava de estética. Não era de política.
Lembro disso agora vendo o engajamento de Caetano nesse momento de tamanha turbulência e tantos riscos que o Brasil atravessa.
Não é mais estética. É política mesmo. Ele é o mais à esquerda porque é o mais incisivo, o mais corajoso, o mais destemido. E essa coragem, esse destemor, Caetano vai buscar na sua liberdade. Uma liberdade notável que permitiu a esse grande artista brasileiro estar sempre à esquerda sem que seu pensamento estivesse preso à macrovisão da esquerda.
Nesta quinta-feira (25/10), em João Pessoa, vi pela terceira vez Ofertório, o show de Caetano com os filhos Moreno, Zeca e Tom.
Foi muito forte ver Caetano de perto a três dias de uma eleição presidencial que pode nos jogar na escuridão.
O "ame-o e deixe-o livre para amar", da letra da canção de Gil que aparece logo no início do show, é o oposto do "ame-o ou deixe-o" dos tempos de Médici. Muita gente nem percebia, mas como era significativo na época dos Doces Bárbaros, meados dos anos 1970. Volta a ficar agora, em oposição ao discurso insano do candidato Bolsonaro, dirigido aos que estavam domingo na Avenida Paulista. Discurso de exclusão, de ameaça aos diferentes, de gravíssimos e insidiosos ataques à democracia.
O "gente é pra brilhar, não pra morrer de fome" arranca o aplauso da plateia e faz Caetano chorar no palco, de tão atual que é, de tão permanente que continua sendo.
E tem o "quem cultiva a semente do amor/segue em frente e não se apavora/se na vida encontrar dissabor/vai saber esperar a sua hora", esse samba bonito do grupo Revelação, que surge no final do show. Agora, dizendo muito mais do que dizia quando vi o show pela primeira vez, em janeiro.
Há um árduo trabalho a ser desenvolvido a partir de segunda-feira. Trabalho de muitos.
No artigo que escreveu para o New York Times, Caetano já disse que fará a parte dele. Vê-lo no palco, em instantes de imensa beleza ao lado dos filhos, é especialmente forte nesses dias que antecedem a eleição presidencial. Provoca júbilo por todo o amor reunido no encontro de família. E também nos toca muito profundamente quando faz pensar que, lá fora, há grandes ameaças às belezas do Brasil.
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