QUAL A BOA?
Coringa? Parasita? Melhores de 2019 são O Irlandês e Bacurau!
Publicado em 02/01/2020 às 7:23 | Atualizado em 22/06/2023 às 12:56
CORINGA?
PARASITA?
Esses filmes impressionaram muita gente em 2019. Gosto dos dois. Mais do segundo do que do primeiro. Mas, nesse ano de tantos ótimos filmes, aponto O IRLANDÊS e BACURAU como os melhores.
Começando o ano de 2020 aqui na coluna, e ainda em clima de retrospectiva, volto às primeiras impressões que tive quando vi O IRLANDÊS e BACURAU.
O IRLANDÊS
De Martin Scorsese
É difícil ver O Irlandês sem pensar nas críticas de Martin Scorsese aos filmes da Marvel.
Vendo O Irlandês, é fácil entender porque Martin Scorsese disse que os filmes da Marvel não são cinema.
Mas não quero me prender a essa questão.
O Irlandês é um grande filme. Não vai esperar décadas para se transformar num clássico. Já nasce assim, como grande cinema.
Martin Scorsese precisou de três horas e meia para contar a história dos seus personagens. É o mais longo dos seus filmes de ficção. Tem o mesmo tempo dos documentários que fez sobre Bob Dylan (No Direction Home) e George Harrison (Living in the Material World).
Mas tempo não é problema. A narrativa flui tão naturalmente que o fato de ser extensa não representará um incômodo para o espectador.
Scorsese é um mestre do seu ofício. Faz cinema e pensa o cinema.
Os gângsters que ele mostrou quando era jovem em Caminhos Perigosos, ou quando era maduro em Os BonsCompanheiros, agora são vistos na velhice por um homem igualmente velho.
Somente um homem velho (Scorsese já se aproxima dos 80) faria um filme assim. Ele aborda temas permanentes da vida - não necessariamente da vida de gângsters - com um olhar que só os velhos conseguem ter. E o faz com homens velhos em atuações absolutamente excepcionais: Robert De Niro, Joe Pesci e, sobretudo, Al Pacino, com quem nunca havia trabalhado.
Essa pode ser uma das chaves do filme. A reunião desses homens postos numa trama que mostra a passagem do tempo, em idas e vindas admiráveis como construção narrativa. E há o fato de que, muito provavelmente, nunca mais veremos Scorsese, De Niro, Pesci e Pacino juntos num mesmo filme.
O Irlandês trata do homem inserido no macro - a política, o poder, a corrupção - e mostra esse mesmo homem como indivíduo, com suas ambições, suas culpas, seus arrependimentos tardios. As duas coisas se misturam, se confundem na trama.
Hoffa - como o assassinato de Kennedy - é real. O Hoffa de Pacino mistura realidade com ficção.
O Irlandês dá a sensação de que, nele, há dois filmes.
O primeiro, mais ágil, lembra outros filmes de Scorsese.
O segundo, o do desfecho, é contemplativo.
Na terceira parte de O Poderoso Chefão, o epílogo reservado ao mafioso Michael Corleone é trágico, mas é rápido.
Em O Irlandês, a velhice do personagem de Robert De Niro é melancólica e se arrasta numa incômoda lentidão.
O Irlandês vai direto para a lista dos melhores filmes realizados por Martin Scorsese.
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BACURAU
De Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles
O Som ao Redor, 2012.
Aquarius, 2016.
Bacurau, 2019.
Kleber Mendonça Filho - que li tanto no Jornal do Commercio, que foi lá na Cultura do Paço Alfândega debater comigo e com Jomard Muniz de Britto o livro de Antônio Barreto Neto, que encontro no backstage do show de Caetano Veloso no Recife - é um dos grandes cineastas do mundo.
Assim, bem perto da gente, fazendo filmes que arrebatam as plateias onde quer que sejam exibidos.
Bacurau é uma experiência impactante.
Sabem aquela coisa? No dia em que vi o novo Tarantino, comprei ingresso (físico) antecipado e lá fui eu, no sábado à noite, para a sessão única numa sala de shopping. Não vi ninguém conhecido na plateia. Havia uma moçada que riu e vibrou com algumas cenas e aplaudiu entusiasmada na hora dos créditos finais.
Antes do conteúdo, a forma. Se há algo que me impressiona imensamente em Kleber é o domínio absoluto que ele tem do seu ofício. O cineasta está no grupo dos que migraram com êxito da crítica para a direção. Antes de qualquer coisa, aos cinéfilos, Kleber proporciona um grande prazer estético.
Bacurau é filme realizado por quem pensa o cinema. A habilíssima manipulação dos gêneros, a construção de climas, a tensão permanente, o uso de trilhas preexistentes, o diálogo com o passado (do cinema) e a rara capacidade de atualizá-lo - tudo junto e misturado para levar o espectador à catarse final.
Li em algum lugar que o conteúdo de Bacurau é claro como a água. Sim, a água que falta no Nordeste brasileiro de ontem e de hoje e que, fatalmente, faltará no de amanhã. As vozes de Gal, Sérgio Ricardo e Vandré falam sobre o cinema do Brasil dos anos 1960 (Brasil Ano 2000, Deus e o Diabo, Augusto Matraga) e conectam passado, presente e futuro.
Pensei em filmes do Cinema Novo que permanecem assustadoramente atuais. Mas sei que eles são herméticos. O filme de Kleber se passa num futuro próximo e conversa com a gente sobre o presente. Essa conversa é direta, só não entende quem não quer entender. Esse lugarejo chamado Bacurau sintetiza no micro o que vemos no macro.
Aterroriza o instante (instante mesmo) em que vemos, na tela da TV, a notícia sobre as execuções no centro de São Paulo.
Bacurau está sendo chamado de cinema de resistência. Sua estreia - e isto é de suma importância - ocorre no momento em que o governo brasileiro tenta dizimar a produção nacional de audiovisual. O filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles é um eloquente contraponto a esta ameaça.
É resistência como produto, é resistência como chamado à luta.
Bacurau é um significativo acontecimento político.
Mas é também um acontecimento estético.
É o que permitirá que atravesse o tempo como grande cinema.
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