QUAL A BOA?
Melancolia, de Lars Von Trier, é filme oportuno no ano de 2020
Publicado em 31/03/2020 às 7:52 | Atualizado em 22/06/2023 às 12:54
Pedi ao advogado e cinéfilo Antônio Barreto um texto sobre Melancolia, de Lars Von Trier.
O filme é muito oportuno no momento em que o mundo enfrenta a pandemia do novo coronavírus.
LARS VON TRIER E SEU MANUAL DA FRAGILIDADE HUMANA
Antônio Barreto
O ano é 2030. Domingo, 22h. Vai começar mais um episódio da elogiada série “Days of Confinement”, sobre uma pandemia que massacrou o mundo dez anos antes. No papel de um presidente que nega a letalidade do vírus, Kiefer Sutherland.
O pensamento hipotético e a referência ao ator americano me vieram à mente quando meu amigo Silvio Osias me convidou a escrever sobre um dos meus filmes do coração, no caso, Melancolia(2011), do dinamarquês Lars Von Trier, o melhor da “trilogia da depressão” (composta também por “Anticristo”, de 2009, e “Ninfomaníaca”, lançado em duas partes, em 2013 e 2014). Von Trier sempre usou seus personagens (mulheres singulares, principalmente), para escancarar o seu mal-estar com o mundo. Em “Dogville” (2003), Nicole Kidman é Grace, que vai perdendo seu brilho (sua graça) diante da estupidez humana. Em “Dançando no Escuro” (2000), a cantora Björk é uma mãe que enxerga todo o mal que o universo fará ao seu filho, apesar de estar ficando cega.
Voltando a Sutherland. Em “Melancolia”, ele é um ricaço que nega tanto o estado de grande tristeza e desencanto contemporâneos, como também o fato de que um planeta com o mesmo nome do estado de letargia, se dirige à Terra, em uma rota de colisão que extinguirá a vida por aqui. “São apenas os profetas do Apocalipse”, diz à sua esposa (Charlotte Gainsbourg), quando esta se refere ao noticiário do desastre. Sem querer dar spoiler, quando o fim realmente está para chegar, é justamente o machão, aquele que diz que a coisa toda não passa de histeria ou alarmismo, quem toma a atitude mais covarde.
Já a personagem principal, vivida por Kirsten Dunst, é uma mulher que não consegue reunir o ânimo mínimo, nem na sua cerimônia de casamento. Ela sabe que, em determinadas situações, é simplesmente ridículo achar que se deve manter a normalidade a qualquer custo. Justine, sua personagem, pede demissão na própria cerimônia de casamento. A expressão no rosto do seu chefe boçal, durante a cena, já valeria pelo filme inteiro. Quando a vida está acabando, ninguém pensa em comprar um videogame.
A partir da metade do filme, quando o fim já se apresenta como inevitável, Justine muda seu estado anímico. Está nitidamente mais leve. “Ninguém sentirá nossa falta”, ela diz, e esboça um sorriso. A força da personagem reside, justamente, em aceitar a sua fraqueza, sua pequenez diante do cosmos. Isso a tranquiliza. Reconhecer a fragilidade da vida é o primeiro passo para valorizá-la, mesmo que o fim seja inevitável. E como ele é, que chegue em paz.
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