SILVIO OSIAS
"Eu não vou sair com você se seu cabelo estiver assim" - a solidão da mulher negra
Publicado em 01/09/2020 às 6:45 | Atualizado em 30/08/2021 às 20:55
"EU NÃO VOU SAIR COM VOCÊ SE SEU CABELO ESTIVER ASSIM" - A SOLIDÃO DA MULHER NEGRA
Uane Junilhia
“Eu não vou sair com você se seu cabelo estiver assim”. Essa frase foi dita em referência ao cabelo black power da namorada que antes acomodava o cabelo em tranças. Eu li o relato em uma rede social. A moça disse que o namoro acabou depois disso.
Ler aquele relato foi incômodo, retirou um véu do meu olhar para questões que sempre estiveram lá, e a gente parece não enxergar.
Pode haver algum questionamento sobre o meu lugar de fala como uma mulher não branca, mestiça, mas de pele clara. No entanto, como feminista, eu preciso ser também antirracista. O meu feminismo tem obrigação de contemplar a mulher negra.
Então, pergunto, por que há uma solidão da mulher negra? Por que elas estão sós? Por que essa solidão é tão específica?
Por séculos, fomos uma sociedade escravocrata, que ainda preserva muito do imaginário racista e trata o negro como marginalizado e inferior. Desde o Brasil colonial, já apresentamos indícios da objetificação e hipersexualização dos corpos das mulheres negras. A miscigenação de hoje é oriunda de muitos estupros no passado, tanto das mulheres negras como também das indígenas.
A história da escravidão mostra ainda hoje um de seus lados mais sombrios na fetichização do corpo da mulher negra retratada na mídia como a passista seminua do carnaval, a boazuda que socialmente é relacionada a alguém que não merece afeto, não é digna de andar na rua de mãos dadas, não poderia ser vista em público acompanhada. Segundo o relato dessas mulheres negras, os homens, inclusive os negros, não querem assumir um relacionamento com elas, por entenderem culturalmente que as mulheres respeitáveis para casar são as que se encaixam no padrão estético da beleza branca.
A mulher negra sofre invalidação do seu cabelo, da sua cor, do seu existir, o que resulta na solidão delas, no celibato involuntário e cruel.
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Uane Junilhia é graduada pela UFPB em Comunicação Social/Jornalismo. Foi produtora nas TVs Cabo Branco e Tambaú.
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