QUAL A BOA?
Jean-Luc Godard, cineasta da ruptura e da reinvenção, faz 90 anos
Publicado em 02/12/2020 às 6:21 | Atualizado em 22/06/2023 às 12:51
Jean-Luc Godard faz 90 anos nesta quinta-feira (03).
Não é possível ver os seus filmes sem enxergar neles a assinatura de um dos maiores cineastas do mundo.
Em Godard, a criação se deu através da ruptura com a tradição e da reinvenção da linguagem do cinema.
Ele não é, portanto, da linhagem também imprescindível dos que formularam a escrita, mas do grupo que a reformulou.
Acossado, seu primeiro longa, foi realizado em 1959 por um homem de 29 anos.
Não seria o que é sem o que houve antes: a crítica exercida nos Cahiers du Cinéma, publicação que teve Godard - e também François Truffaut, Claude Chabrol e Jacques Rivette - como um dos seus colaboradores.
Aqueles jovens cineastas que, na França da virada dos anos 1950 para os 1960, migraram com êxito da crítica para a realização ofertaram ao mundo do cinema uma das suas revoluções: o movimento que ficou conhecido como Nouvelle Vague.
Quando vemos Acossado, a estreia de Godard, e Os Incompreendidos, a estreia de Truffaut, percebemos logo que os dois nomes principais da Nouvelle Vague trilharão caminhos não apenas distintos, mas opostos.
Em Truffaut, está longe de haver a ruptura que há em Godard.
Os Incompreendidos é quase canônico, ainda que extraordinário. Acossado, não. É um negócio absolutamente novo, transformador, influenciador de muito do que se viu no cinema dali por diante.
O melhor do cinema de Jean-Luc Godard está nos anos 1960.
Acossado é o verdadeiro manifesto da Nouvelle Vague, escreveu Jean Tulard em seu Dicionário de Cineastas.
Seguem-se A Mulher é uma Mulher e Viver a Vida e O Desprezo e Bande à Parte e Uma Mulher Casada e Alphaville e O Demôniodas Onze Horas e Masculino-Feminino e A Chinesa e Weekend à Francesa.
São filmes essenciais à compreensão do cinema dos anos 1960. Alguns, à própria compreensão daquela década turbulenta. Mas não são filmes fáceis.
O cinema de Godard é de difícil assimilação, e o tempo o tornou cada vez mais árido. O cineasta é um inquieto ativista no campo da estética e um artista permanentemente movido pelas incertezas ideológicas.
Em meados da década de 1980, Je Vous Salue, Marie escandalizou os católicos do mundo ao atualizar a história da concepção em Maria. No Brasil, pressionado pelo clero, o governo Sarney interditou o filme, episódio vergonhoso num país que dava os primeiros passos rumo à redemocratização. Todos acabaram vendo este Godard menor em seus aparelhos domésticos de vídeo.
Godard envelheceu fazendo cinema. Os cinéfilos que amam os filmes da sua juventude, com certeza, permanecem enxergando a beleza dos seus trabalhos recentes. Por mais herméticos que eles sejam. Como não se deixar seduzir, por exemplo, pelas imagens de Filme Socialismo, de uma década atrás? É algo semelhante a amar o Glauber Rocha de Deus e o Diabo na Terra do Sol e não compreender o delírio final de A Idade da Terra.
Godard, nós - que amamos o cinema - o saudamos!
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