SILVIO OSIAS
Morte. "Amanhã, seremos nós"
Publicado em 23/04/2021 às 6:26 | Atualizado em 30/08/2021 às 20:51
Ouvi de Gilberto Gil, há muitos anos, que Walter Smetak, músico e professor suíço que viveu na Bahia, disse que é necessário refletir todos os dias sobre a inevitabilidade da morte.
Não precisa ser uma coisa obsessiva. Não. É algo que diz respeito à consciência da morte.
Lembrei bastante disso nesta quinta-feira (22), quando enterramos meu sogro.
João Gonzaga tinha 91 anos, estava senil e em cima de uma cama.
Sua vida, muito ativa até um dia desses, de um homem simples, mas de aguçadíssimo senso comercial, perdera o sentido.
Encarar a morte das pessoas queridas é sempre difícil, mas a verdade é que ele descansou, tal como se costuma dizer popularmente, e talvez pensássemos melhor sobre isso se seguíssemos o conselho de Smetak a Gil.
Morrer é fácil. A gente aprende isso quando perde alguém num acidente de carro ou quando se trata de uma pessoa muito jovem que é levada por uma doença fulminante.
Morrer agora, de um ano pra cá, com a pandemia do novo coronavírus, aí é que se tornou fácil mesmo. Mas temo que essa tragédia que hoje se abate sobre a humanidade não nos faça seres melhores. Ao contrário, talvez até pioremos muito.
Para enterrar meu sogro, foi necessário exumar três corpos. Um deles era do meu pai. Outro, do meu irmão.
Minha primeira reação foi de não presenciar o ritual, embora minha presença fosse necessária, a rigor, como mera formalidade.
Diante do túmulo e dos homens que ali trabalhavam, tomei uma decisão: vou ver, sim.
É devastador, mas tem algo de tão definitivo que não vivenciamos nem no momento da morte e do funeral.
Meu irmão morreu em 2007. Meu pai, em 2010.
Ver o que restou deles é o retrato fidelíssimo do que fica, de fato, dos nossos corpos e das nossas mentes por vezes tidos, eles, os corpos, como tão belos, e elas, as mentes, como tão privilegiadas.
A morte?
Precisamos refletir todos os dias sobre a sua inevitabilidade, seguindo Smetak.
Os rituais em torno dela?
Temos que enfrentá-los.
Comecei com Gilberto Gil, fecho com ele.
Uma vez, levávamos Gil ao hotel em que estava hospedado.
Minha mulher ao volante. Eu no banco dianteiro do passageiro. Ele no banco traseiro.
Eu e Gil conversávamos sobre morte. Gente daqui que ele conhecia e que havia morrido.
Minha mulher sugeriu que escolhêssemos um tema melhor. "Morte! Vocês só falam em morte!".
Ao que ele, com sua sabedoria, respondeu:
"Comadre, amanhã seremos nós!".
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