SILVIO OSIAS
"Como não acredito em milagres, estou nas mãos do acaso", me disse Walter Galvão diante da morte
Publicado em 08/07/2021 às 6:24 | Atualizado em 30/08/2021 às 20:50
A aceitação da morte já é muito difícil. Faz parte da nossa cultura.
Imaginem a morte de um grande amigo, da mesma geração, com o mesmo ofício e ex-colega de trabalho.
Tive essa dolorosa experiência há pouco mais de três anos, quando acompanhei muito de perto - até vê-la morrer - a luta de Nelma Figueiredo contra um câncer de pulmão.
Nelma tinha 53 anos quando morreu. Era cinco anos mais nova do que eu.
Do diagnóstico à morte, foram 18 meses.
Agora, Walter Galvão, que se foi nesta quarta-feira (07), o mesmo dia em que, há 27 anos, morreu minha mãe.
A fé ajudou Nelma a crer não na cura, mas na cronicização da doença.
Quando se convenceu de que iria morrer, silenciou.
Falávamos todos os dias ao telefone, íamos juntos a consultórios médicos e clínicas, mas o tema da morte não entrou nas nossas conversas. Eu sempre a me preparar para uma conversa árida que não chegou a acontecer.
Com Galvão, foi o contrário.
Soube da doença e da sua irreversibilidade desde o diagnóstico, em fevereiro.
Não nos encontramos pessoalmente, nem falamos ao telefone, mas trocamos muitas mensagens.
E na pergunta, inevitável, sobre sua saúde, obtive como respostas falas de quem tinha a consciência plena da morte.
Esperança? Se havia, era mínima.
A frase que mais impressionou - já reproduzi na coluna de ontem - foi: "Não quero durar. Quero viver".
Traduzi ao meu modo: "Sei que não vou viver. Sei que vou durar pouco".
A nossa última conversa foi no dia sete de junho.
Falamos sobre o livro de memórias de Fernando Henrique Cardoso, Um Intelectual na Política.
Num artigo, eu havia dito que FHC é um grande brasileiro e ouvi como resposta: "Grande autor, intelectual na vera e um estilista".
Nas noites de insônia, havia mergulhado nos discos de Gilberto Gil e ficara encantado, particularmente, com Parabolicamará.
Mas sempre havia algo sobre o sofrimento e a resistência à doença: "Tem a coisa de continuar enquanto o pulso ainda pulsa".
Noutra conversa, reagiu fortemente a umas dúvidas minhas sobre a resistência de Hermann Hesse ao tempo: "Talvez ele não amarre as chuteiras de Dylan".
E assim íamos conversando. Mensagens breves.
"O cotidiano é muito duro, dores, náuseas, insônia, falta de apetite, fadiga extrema..." - não havia dúvidas. Meu amigo que eu conheci há 50 anos estava perto do fim.
"Não quero desprezar chances nem tampouco prolongar o inexorável" ou "como não acredito em milagres, estou nas mãos do acaso" - foram outras falas que ouvi dele.
Uma mensagem me tocou profundamente.
Ele disse: "Posso discordar ocasionalmente, mas amo você como a um irmão".
Ao que respondi: "Também amo você como a um irmão. Amigos e amigas que se amam devem dizer isso uns aos outros".
Com a morte de Walter Galvão, vai embora um pedaço imprescindível da passagem da minha geração pelo jornalismo paraibano.
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