COTIDIANO
Falou e disse: Sobre o paralelismo semântico
Publicado em 05/01/2015 às 13:00
O professor Chico Viana associa a variedade de temas própria da crônica com reflexões e comentários sobre a língua portuguesa. Contato com a coluna: [email protected]
Quando se coordenam palavras, é importante que elas pertençam à mesma área de significação. Caso isso não ocorra, pode haver uma ruptura do paralelismo. Esse tipo de quebra produz muitas vezes correspondências indevidas, como neste exemplo:
“A diferença entre o IDH dos países pobres e os países ricos é resultado sobretudo da educação.”
O aluno se propõe a estabelecer o contraste entre dois IDHs (Índices de Desenvolvimento Humano). Para isso inicia um processo coordenativo em que o primeiro termo é a sigla seguida de um adjunto adnominal. Espera-se que no segundo ele mantenha o mesmo padrão, falando do IDH dos países ricos. Como isso não ocorre, o resultado é um confronto entre elementos heterogêneos. Não se pode comparar um índice com um país.
Outro exemplo aparece nesta passagem de uma redação sobre os desafios de quem chega à cidade grande:
“Armadilhas, tentações, interesseiros irão lhe acompanhar aonde você queira ir.”
Embora os três núcleos do sujeito estejam representados por substantivos (ou seja, não há quebra do paralelismo morfossintático), é visível a ruptura produzida pelo terceiro.
Os dois primeiros são genéricos, remetem às ações, enquanto que o último designa o agente. Para haver harmonia semântica, o aluno deveria ter escrito “interesses” em vez de “interesseiros”.
Exemplo semelhante ocorre neste outro trecho:
“A partir de então, na empresa, foi vítima do ciúme, do ressentimento, dos agressores que a invejavam.”
Se o redator inicia a sequência de complementos com “ciúme” e “ressentimento”, é natural que a feche com uma palavra do mesmo nível semântico. Escrevendo, por exemplo, “da agressividade dos que a invejavam”.
Às vezes a ruptura é discreta, mas nem por isso deixa de comprometer a unidade do período. Muitos talvez não percebam que ela ocorre no exemplo abaixo:
“O dinamismo econômico dita a capacitação profissional e os serviços mais qualificados.”
Mas ocorre, sim. A frase ficaria mais harmoniosa caso os dois complementos fossem da mesma natureza, o que se obtém com uma pequena inversão dos termos que formam o segundo objeto direto: “O dinamismo econômico dita a capacitação profissional e a maior qualificação dos serviços.”
A quebra do paralelismo pode ter caráter estilístico, como nesta famosa passagem de Machado de Assis:
“Marcela amou-me durante 15 meses e 11 contos de réis".
A menção ao dinheiro surpreende o leitor, que espera a continuidade da indicação temporal. Ao coordenar informações que não têm relação uma com a outra, o narrador enfatiza que a moça não esteve com ele por amor; agiu por interesse. Outro seria o efeito se essa confissão aparecesse em outro contexto. Seria uma referência crítica e talvez nostálgica, mas a que faltaria a nota irônica.
DE OLHO NO VESTIBULAR
“Visualmente o número de pessoas aderentes da legalização da maconha é imenso.” (Redação de aluno)
Sem rigor no uso das palavras, não se produz um bom texto. A passagem acima confirma isso; tanto o advérbio “visualmente” quanto o adjetivo “aderentes” não estão bem empregados.
Deve ter passado pela cabeça do aluno a ideia de que é visível, notório, o número de pessoas que pregam a legalização da maconha, mas não foi isso que ele transmitiu. Teria sido mais claro, se escrevesse:
“Visivelmente o número de pessoas adeptas da legalização da maconha é imenso.”
O FINO DA POESIA
“Para ganhar um ano-novo / que mereça este nome, / você, meu caro, tem de merecê-lo, / tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil, / mas tente, experimente, consciente. / É dentro de você que o Ano Novo / cochila e espera desde sempre.” (Carlos Drummond de Andrade)
PALAVREANDO
-- O que é que você mais deseja no ano que se inicia?
-- Do jeito que as coisas estão, sobreviver...
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Vendo os males que o ser humano produz nas florestas, a gente tem que retificar Thomas Hobbes. Na verdade, o homem é o lobo do lobo
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Quem faz muita propaganda de si mesmo no fundo desconfia da qualidade do produto.
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