SILVIO OSIAS
"A remontagem de Vau de Sarapalha fará revigorar a Cultura local, com sua força, tradição e ensinamento artístico"
Publicado em 14/09/2021 às 8:24 | Atualizado em 14/09/2021 às 11:32
A coluna abre espaço nesta terça-feira (14) para texto da professora e dramaturga Luciana Gomes Cerqueira. Ela sugere a volta de Vau da Sarapalha, marco do teatro paraibano, aos palcos.
UM BRASIL ANGUSTIANTE À ESPERA DE SER
REILUMINADO POR VAU DA SARAPALHA
Luciana Gomes Cerqueira
Toda saudade é feito mosquito, que incomoda no ouvido da gente, aguardando ser percebida! Dentre todos os sentimentos, a saudade deve ser o mais sofrido e doentio. Pode ser paralisante, ao se escolher a pura recordação do que passou, ou agir feito febre delirante, pela qual se espera desejoso, eufórico, tarde após tarde... A saudade alucina, faz antigas lembranças serem interpretadas de acordo com o gosto do freguês.
No conto Sarapalha, de Guimarães Rosa, a saudade é tanto de quem viveu e perdeu, como de quem se lamenta pelo que não foi vivido. Não se engane! Toda falta traz em si já um pedido de presença...
No caso, eu sou o primo Argemiro, não consigo mais calar sobre o sentimento de algo que não vi....
Primo Ribeiro, eu preciso confessar uma ausência que sinto. Essa peça Vau da Sarapalha, que você montou, atuou ou dirigiu, eu queria, eu PRECISAVA ter assistido!
Marco na história do teatro paraibano e nacional, a peça foi montagem inovadora, dirigida por Luiz Carlos Vasconcelos, premiada, cuja interpretação e conceito foram elogiados até pela exigente crítica Bárbara Heliodora. Obra seminal (e também uterina) para novas formas estéticas propostas no palco pelo Grupo Piollin, por meio da exploração de todos os sentidos em cena.
A peça fará 30 anos em 2022, mas parou de ser encenada antes dessa última geração poder apreciar. No momento, por tudo que ainda não vi, já alucino febril no desejo de estar na plateia de Vau da Sarapalha. Trata-se de um pedido de emergência. Pode ser que eu pegue Covid e fique moribundo, então precisava dessas linhas para desabafar. A peça deveria ser encenada em breve, nos anos pós Covid, dialogando e dando esperança a essa Sarapalha que se chama Brasil, e que temos visto agonizar politicamente, enquanto a Cultura definha cadavérica, sem apoio do Governo federal.
A plateia, agora então sobrevivente e testemunha de uma pandemia, terá um novo olhar e ressignificação para o sentido da peça. A remontagem de Vau de Sarapalha, como uma Água Rabelo, fará revigorar a Cultura local com sua força, tradição e ensinamento artístico. Sonho alimentado por todos os que acham também ser necessário o elogio da saudade e a importância da recordação do passado, não o empurrando para o esquecimento. É preciso cada vez mais trazê-lo para as novas gerações. Há quem diga, no entanto, que no teatro é preciso sempre pensar adiante, na próxima criação, mas, assim como é impossível abandonar um mamulengo a quem já se deu vida, será que não seria possível remontar, mesmo que com outro elenco, uma peça que afetivamente significa tanto ao próprio grupo Piollin?
O ideal na vida é que se possa recordar não de retratos estáticos com verbos no pretérito, o que me parece ser a saudade de algo definitivamente morto. Quando se movimenta a lembrança de algo que já se considera concluído ou terminado, ganha novamente a magia da vida....Como os mexicanos demonstram a cada ano, trazendo o passado para viver no presente em seu Dia de Los Muertos, recriando em altares não a idealização do que não pode mais estar entre nós, mas evocando e aguardando a sua presença outra vez, com comida e cores, para que tanto o presente quanto o passado se satisfaçam nesse encontro.
Trazer à vida o que estava saudoso é fazer algo que estava encantado receber novo sopro divino, cheio de potência... Acordar Musas no Panteão para que possam nortear o caminhar nos dias que ainda virão, até nos encontrarmos extasiados e em plena comunhão nos nossos delírios febris. Por enquanto, só nos resta ouvir as recordações de outros primos Ribeiros:
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