SILVIO OSIAS
Os ossos de Nelson Rodrigues reviraram no túmulo por causa da ignorância da Câmara Municipal de João Pessoa
Publicado em 21/12/2021 às 9:24
Acreditei porque vi. Na Câmara Municipal de João Pessoa, um vereador apresentou um voto de aplausos à Universidade Estadual da Paraíba por causa da realização de mais uma edição do Comunicurtas. Já são quase 20 edições. Uma vereadora questionou o voto porque, no festival, havia um filme que atentava contra os valores tradicionais da família brasileira. O argumento da vereadora falou mais alto, e o voto de aplausos não foi aprovado.
Isto aconteceu numa sessão da semana passada. Nesta segunda-feira (20), li uma nota de repúdio divulgada por várias entidades. Gente ligada à produção de audiovisual. Num dos pontos da nota, descobri do que se tratava: "A leitura de que o texto da obra Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, destrói a família tradicional brasileira nos causa espécime [sic] ser levada a sério por esta egrégia casa".
Para os que não sabem, é necessário dizer que Álbum de Família é uma das peças míticas de Nelson Rodrigues. Na sua dramaturgia, há as tragédias cariocas, as peças psicológicas e as peças míticas. É assim que os textos estão organizados nos dois volumes que reúnem seu teatro completo. Nelson Rodrigues foi muito provavelmente o maior dramaturgo brasileiro, no nível dos maiores dramaturgos que o mundo conheceu no século XX.
Nesta terça-feira, 21 de dezembro, faz, aliás, 41 anos da morte de Nelson Rodrigues, esse brasileiro imenso. Nelson foi grande no jornalismo (era exímio cronista), na literatura e no teatro. A julgar por esse episódio, o que há na Câmara Municipal de João Pessoa é um punhado de gente ignorante - um microcosmo desse Brasil gigante mergulhado na barbárie da ultradireita.
Curioso é que Nelson Rodrigues era um homem de direita. Adorava ser chamado de reacionário. Tem um livro (maravilhoso) chamado O Reacionário. Só que Nelson viveu num tempo em que havia inteligência na direita brasileira. Hoje, pelo que estamos vendo, só há fundamentalismo e burrice.
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