SILVIO OSIAS
O Brasil está feio, mas Caetano nos oferece a crença em belezas que não vão permitir a nossa destruição
Publicado em 06/08/2022 às 19:50
O novo álbum de Caetano Veloso, que faz 80 anos neste domingo, sete de agosto, não tem edição física no Brasil. Sei que o tempo é de streaming, mas resisto ao formato. Sou velho. O amor táctil é irresistível. O manuseio da capa, o cheiro do encarte, as letras, a ficha técnica.
Tenho toda a discografia de Caetano. Vou ficar sem Meu Coco? De repente, problema resolvido. Tem na Europa. Aciono uma amiga e ela compra, em Portugal, o CD fabricado na Alemanha.
Meu Coco começou a ser pensado no verão da Bahia, antes do início da pandemia. E foi desenvolvido no Rio durante o isolamento do artista. Muita coisa foi gravada no estúdio que Caetano tem em casa.
É um retrato do que estamos vivendo tirado pela sensibilidade de poeta do artista e pelo seu extraordinário talento musical. É um retrato do hoje que fica para o amanhã, como, já sabemos, costumam ficar as coisas de Caetano.
Em suas 12 faixas, Meu Coco tem o Caetano de sempre e também sua impressionante conexão com a contemporaneidade. Ele nunca deixou de ser assim. Permanece sendo.
O álbum reúne muita gente. Músicos incríveis, arranjadores especialíssimos - um time que, junto de Caetano, deu forma a este grande álbum, o mais instigante que ouvi em 2021.
O Brasil está feio. O mundo está feio. Mas há, nesse conjunto de canções, a crença de Caetano Veloso, esse imenso brasileiro, em belezas que não permitirão que nos destruam.
Para fechar, escolhi trechos de algumas letras das canções de Meu Coco:
MEU COCO
Católicos de axé e neopentecostais
Nação grande demais para que alguém engula
Avisa aos navegantes, bandeira da paz
Ninguém mexa jamais, ninguém roce nem bula
ANJOS TRONCHOS
Anjos já mi ou bi ou trilionários
Comandam só seus mi, bi, trilhões
E nós, quando não somos otários
Ouvimos Shoenberg, Webern, Cage, canções
NÃO VOU DEIXAR
Não vou deixar, não vou
Não vou deixar você esculachar
Com a nossa história
É muito amor, é muita luta, é muito gozo
É muita dor e muita glória
ENZO GABRIEL
Enzo Gabriel, sei que a luz é sutil
Mas já verás o que é nasceres no Brasil
No Brasil
No Brasil
No Brasil
No Brasil
GILGAL
Vem de Pixinguinha a Jorge Ben
Pousa em Djavans
Wilson Batista, Jorge Veiga
Carlos Lyra e o imenso Milton Nascimento
Vem de Pixinguinha a Jorge Ben
SEM SAMBA NÃO DÁ
Olho pro Cristo ali no Corcovado
E, em silêncio, grito "Êpa babá!"
Tudo esquisito, tudo muito errado
Mas a gente chega lá
Tem muito atrito, treta, tem muamba
Mas tem sertanejo, trap, pagodão
Anavitória, doce beijo d'onça
Maravília Mendonça, afinação
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