SILVIO OSIAS
Cresci numa ditadura. Não quero morrer em outra
Publicado em 14/10/2022 às 10:12
Se Jair Bolsonaro for reeleito no dia 30 de outubro, os nossos temores serão imensamente maiores do que aqueles que tínhamos quando ele foi eleito no dia 28 de outubro de 2018. Na segunda etapa do seu projeto político, o presidente estará muito mais forte, e a democracia, muito mais ameaçada.
Faltam 16 dias para o segundo turno, e a campanha tomou rumos inaceitáveis. A arruaça em Aparecida e as mentiras da senadora eleita Damares Alves ilustram. Os que permitiram a chegada de Bolsonaro ao poder e não desejam mais que ele permaneça lá, não têm meios eficazes para contê-lo.
Bolsonaro fez o que quis quando era deputado federal. Bolsonaro fez o que quis quando era candidato a presidente em 2018. Bolsonaro fez o que quis como presidente. A ele, tudo foi permitido. Agora, Bolsonaro faz o que quer como candidato à reeleição. A ele, tudo tem sido permitido.
Existe uma campanha oficial, que está na superfície, e outra subterrânea, que usa as armas do esgoto. Se a Justiça Eleitoral não tem velocidade para controlar os excessos da campanha oficial, imaginem da subterrânea. Em 2018, foi treino. Em 2022, é jogo. E só um lado se preparou - o do bolsonarismo.
Se Lula for eleito no dia 30 de outubro, terá pela frente o desafio de fazer muito pela reconstrução do país. Em 2003, no início do primeiro mandato de Lula, o PT falava numa herança maldita deixada por Fernando Henrique Cardoso em seus dois mandatos. Não era nada, se compararmos ao que temos agora.
O mais complicado, no entanto, é que, ainda que Bolsonaro seja defenestrado do poder, o bolsonarismo estará vivo. Vivo e forte com seus anônimos ensandecidos e com seus representantes chancelados pelo voto popular. O enfrentamento dessa patologia será uma missão praticamente impossível.
A foto que ilustra a coluna nesta sexta-feira (14) é de Herzog enforcado, uma imagem icônica da ditadura militar brasileira. O texto em seguida foi postado na coluna em 28 de outubro de 2018, dia da eleição de Bolsonaro. Achei oportuna sua releitura. Por isso, compartilho com vocês.
Em 1964, quando Jango foi deposto pelos militares, eu tinha cinco anos. Em 1985, quando os civis voltaram ao poder, eu tinha 26. Tinha 30 em 1989, quando votei para presidente pela primeira vez. Agora em 2018, quando Jair Bolsonaro muito provavelmente vencerá a eleição, estou com 59.
De 1994 a 2014, tivemos seis disputas entre o PT e o PSDB. O PSDB venceu somente as duas primeiras. O PT, as demais. Um sociólogo de esquerda, um herói da classe operária e uma mulher que atuou na guerrilha urbana chegaram ao poder.
Com seus erros e acertos, os dois partidos desempenharam papel importante na construção da democracia brasileira. Com seus erros e acertos, o PT e o PSDB disputaram jogando o jogo democrático.
Em 2018, erram os que veem Bolsonaro e Haddad como lados opostos da mesma moeda. Não são. Eles são muito diferentes, disse Miriam Leitão num telejornal da Globo, logo depois do primeiro turno. Suas fotografias são muito diferentes, vimos nitidamente no Jornal Nacional deste sábado.
Haddad representa um partido que atua no campo democrático, a despeito de todas as críticas (e são muitas) que possam ser feitas ao PT e aos seus dirigentes. Bolsonaro se fez candidato defendendo ideias que apontam para rupturas da democracia.
Seu discurso de 11 minutos, numa live dirigida à multidão reunida domingo passado na Avenida Paulista, foi, ao longo dessa campanha, o mais fiel e assustador retrato do candidato. Sua muito provável eleição, neste domingo, parece por em risco muitas conquistas da frágil democracia brasileira. Conquistas sociais, também notáveis avanços no campo do comportamento, da convivência com as diferenças.
Que Brasil sairá das urnas neste domingo? Em que medida eleitores de Bolsonaro se sentirão chancelados a praticar as ideias que aquele a quem chamam de "mito" defende desde que se tornou homem público?
Comecei esse texto mencionando datas, falando sobre a passagem do tempo em nossas vidas. Termino retornando ao início. Em 1964, quando os militares depuseram Jango e jogaram o Brasil numa noite que durou 21 anos, eu tinha apenas cinco anos.
Cresci numa ditadura e sei como é uma ditadura. Não quero morrer em outra.
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