SILVIO OSIAS
Erasmo Carlos fica como grande artista e gigante gentil da música popular brasileira
Publicado em 22/11/2022 às 17:29 | Atualizado em 23/11/2022 às 8:03
Em nove de novembro, há apenas 13 dias, Gal Costa morreu aos 77 anos. Nesta terça-feira, 22, Erasmo Carlos (Foto/Reprodução) morreu aos 81 anos. Dois grandes nomes da geração que conquistou dimensão nacional na década de 1960. Duas perdas imensas para a música popular brasileira.
Na noite do domingo 30 de outubro, enquanto eram apurados os votos do segundo turno, foi noticiada a morte de Erasmo. Ele estava num hospital no Rio de Janeiro, mas a notícia não era verdadeira. Ao receber alta, na quarta-feira dois de novembro, o artista brincou nas redes sociais: "Ressuscitei no Dia de Finados".
Nesta segunda-feira (21), com um edema pulmonar agudo, Erasmo foi novamente hospitalizado, teve que ser intubado e não resistiu à gravidade do seu quadro. Sofria de uma síndrome edemigênica. Agora, na tarde dessa terça-feira (22), a notícia da sua morte, infelizmente, era verdadeira.
Erasmo Carlos é, naturalmente, muito associado à parceria com Roberto Carlos. E com merecimento. Os dois, afinal, compuseram dezenas e mais dezenas de sucessos que, por pelo menos uns 20 anos, formaram a trilha-sonora afetiva de milhões de brasileiros. O cancioneiro de Roberto e Erasmo faz parte das nossas vidas. Creio que até de quem diz que não gosta dessas canções. A voz de Roberto e as suas gravações - e não há como desvincular Erasmo dele e delas - vêm de regiões profundas do ser do Brasil.
Mas não é simples desvendar a parceria de Roberto e Erasmo Carlos. Se pensarmos, por exemplo, nos Beatles, quando o grupo se desfez, John Lennon e Paul McCartney trataram de revelar o que cada um fez. Assinaram juntos, mas nem sempre trabalharam juntos. Às vezes, totalmente separados. Outras vezes, nas diferenças, um apenas estimulado pelas "provocações" do parceiro. No caso de Roberto e Erasmo, quase nada se sabe, porque eles pouco disseram. Há quem defenda a tese, mas é apenas uma tese, de que a contribuição de Roberto é mais romântica, enquanto que a de Erasmo é mais voltada para o rock.
Limitar Erasmo Carlos à parceria com Roberto Carlos é injusto com a dimensão desse artista que acabamos de perder. Se não houvesse mais nada, a parceria já lhe garantiria um papel importantíssimo na história da música popular brasileira. Mas há muito mais. Há o Erasmo autor nos discos de Roberto e o Erasmo da sua própria discografia. Ele nos legou grandes discos e uma série de canções que fizeram muito sucesso e que passaram a ocupar lugar especial no coração de quem ama a música produzida no Brasil.
Erasmo foi uma das maiores encarnações do rock brasileiro. Talvez como Rita Lee e Raul Seixas. Quem sabe, até maior. Mas encarnar o rock com essa intensidade não era tudo para ele. Erasmo é de uma geração que foi fisgada pelo rock dos anos 1950 (Elvis, Berry, etc.), mas também houve a Bossa Nova na sua vida. Nele, como em Roberto, Caetano, Gil, Chico, Milton, é inegável que há muito da lição de João Gilberto. Imaginemos, então, que ele nunca deixou de ser um roqueiro com um pé na contenção da Bossa Nova.
Na Jovem Guarda, Erasmo Carlos está associado ao rock, às baladas românticas e a uma certa ingenuidade. Erasmo e sua fama de mau. Erasmo, o Tremendão. Finda a Jovem Guarda, ele ficou perdido em busca de novos caminhos. Encontrou, mas, no fundo, se ressentia de que nem todos o incorporavam à turma da chamada MPB, na qual sempre reivindicou espaço. Talvez nunca tenha resolvido esse dilema, a despeito de ter construído um cancioneiro muito diversificado, à altura dos grandes da nossa música popular.
Erasmo Carlos produziu seus melhores discos entre 1970 e 1981. De Erasmo e Os Tremendões (onde estão a balada Sentado à Beira do Caminho e o samba Coqueiro Verde) ao álbum Mulher, que começa com o hit homônimo. Fez sambas, baladas, rocks, gritou pela ecologia, homenageou as mulheres, cantou o amor. Por volta dos 70 anos, produziu uma vigorosa trilogia de álbuns só com canções inéditas (Rock'n' Roll, Sexo e GiganteGentil). Não merecia manter a fama de mau. Era amigo, solidário, afetuoso, uma doçura de ser humano. Continuava como o Tremendão. Ou o "amigo de fé, irmão camarada" cantado por Roberto Carlos. Ou, ainda, o gigante gentil - expressão tão apropriada à sua altura, mas também às qualidades do homem.
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