ESPORTES
Da tanga de Gabeira aos cabelos platinados e dancinhas na Copa do Mundo: o progressismo brasileiro segue conservador
O progressismo brasileiro segue parado no tempo, agora questionando danças em comemoração de gols e cabelos platinados em campo.
Publicado em 15/12/2022 às 9:16 | Atualizado em 18/04/2023 às 15:09
Pouco mais de quatro décadas depois de o jornalista Fernando Gabeira aparecer de tanga em praia do Rio de Janeiro, após voltar do exílio que lhe foi imposto por uma ditadura militar no Brasil, contra a qual lutou com várias armas, inclusive as de projétil, parte do pensamento dito progressita brasileiro segue igual. Parado no tempo. Mesmo que com o Twitter ou o Koo na mão. Agora, ele questiona danças em comemoração de gols e cabelos platinados em campo e justifica a derrota de um jogo de futebol por falta de foco por conta de estéticas artísticas ou capilares.
Mas se Gabeira, grande figura de esquerda e desse pensamento avançado — hoje comentarista político e em sua versão mais careta, talvez pelo inevitável e democrático correr do tempo —, que já foi guerrilheiro e é até hoje amado por seu altruísmo e desprendimento de si em nome de algo maior, derrubar um governo autoritário e sanguinário que foi o regime militar no país, foi criticado por sua tanga roxa, não seria Neymar, bolsonarista e personalidade altamente competente, por outros motivos, em conseguir não ser amado pelo seu país, que iria escapar do conservadorismo e moralismo à esquerda.
Mesmo com grandes líderes populares que jogam com a perna canhota — embora saibam usar a direita —, como Lula, Brizola, Boulos, ou até mesmo como a revolucionária que admite estar na disputa da democracia burguesa e grande fenômeno das redes sociais atualmente, Sofia Manzano, do PCB, demonstrando maturidade de amar a Seleção Brasileira, que, por óbvio, é patrimônio do povo brasileiro, há progressistas que parecem odiar o Brasil. Ou pelo menos a pátria de chuteiras que entra no gramado.
E, reconheço, detestar Neymar e alguns de seus companheiros sem qualquer consciência de classe, que vieram de baixo, mas lambem botas de cima, não é das tarefas mais difíceis. Mas sentir isso e querer racionalizar motivos moralistas e conservadores é tão coisa dos destros deste país.
É “óbvio ululante”, citando a adjetivação do genial, mas reacionário Nelson Rodrigues, que a direita brasileira é muito pior do que a esquerda. Sob todos os aspectos. Não há nada mais deprimente que os patriotários, inquilinos de calçadas de quartéis.
Mas se foi da esquerda que camaradas olharam para a tanga roxa de Gabeira e perguntaram estupefatos e com preconceitos “O que é isso, companheiro?”, foi também do setor canhoto que vieram subterfúgios ridículos para tentar explicar um ódio à Seleção ou para explicar mais uma derrota que terminou o sonho do hexa da Copa do Mundo. Coisas do tipo: “Falta foco, eles só pensam nos cabelos e na dança”. Nada mais parecido do que comentários de jogadores medíocres da Europa como Roy Keane ou de europeus racistas que não suportam o sorriso na boca e no pé de Vinícius Júnior. Mas veio de uma parte do lado esquerdo do campo.
Nem o Juliette da bola, Richarlison, escapou. O camisa 9 foi de queridinho dos progressistas brasileiros, por não ter apoiado publicamente Bolsonaro e por demonstrar empatias quase sempre intrínsecas aos imaginários do progressismo, a jogador babão de um ídolo que ninguém pode gostar, Neymar, e desatento ao grande objetivo, que era vencer. Tudo por um cabelo platinado. A dança do pombo, tão amada, logo passou a ser problema por uma moralidade bestial. Completamente anacrônica. Dos mais antigos aos dançarinos do Tik Tok.
O Brasil perdeu porque o futebol tem disso. Foi melhor do que a Croácia, criou mais e perdeu gols. Fez uma partida até boa defensivamente, mas faltou intensidade na marcação no meio-campo, para não deixar a Croácia ter tanto bola e, portanto, não ser atacada por muitos minutos pelos brasileiros. A primeira linha brasileira, no entanto, foi bem. O Brasil não foi atacado e sequer passou sustos, no geral.
Mas fez apenas um gol. Lindo, do craque do time, Neymar, que pintou o cabelo e chamou croatas cinturas-duras para bailar. Dança linda. Gol belo. O Brasil criou mais, teve chances para fazer mais gols. Mas não fez. Errou. Acontece! E no único chute ao gol de Alisson, a bola entrou. Futebol! Depois os pênaltis vieram. E a Croácia perdeu de 3 a 0 para a Argentina de Che Guevara, Videla e Messi nas semifinais.
É claro que o Brasil poderia ter ido melhor. Que Tite poderia ter sido menos previsível, mais competente, inventivo. Como foi Scaloni. Sempre dá para melhorar. No meio-campo, na esquerda e na direita. A esquerda pode e deve ser menos moral e conservadora. Poderia amar mais a ciranda, o samba, e as danças. E o direito irrevogável de cada um ser quem é e fazer o que quiser com seu corpo. O samba, a prontidão e outras bossas são ou não coisas nossas?
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