SILVIO OSIAS
A Folha bem que podia passar sem essa demissão de Jânio de Freitas
Publicado em 16/12/2022 às 6:11
O jornalista Jânio de Freitas (Foto/Reprodução) fez 90 anos no dia nove de junho. A propósito do seu aniversário e da sua trajetória, postei, aqui na coluna, esse texto que reposto nesta sexta-feira (16):
Jânio de Freitas fez 90 anos na semana passada. Jânio de Freitas é um dos grandes jornalistas brasileiros. Vem de longe. Ele já estava no Jornal do Brasil da histórica reforma gráfica - creio que na segunda metade dos anos 1950 - que revolucionou o nosso jornalismo impresso.
Lembro de Jânio de Freitas de uns 40 anos atrás. Tinha presença marcante naqueles debates dos finais das noites de domingo na Bandeirantes (a emissora paulistana ainda não era chamada de Band). Geralmente, discutiam política e economia no Brasil que caminhava para a redemocratização.
Jânio de Freitas foi perseguido pelo regime militar. As empresas eram impedidas de tê-lo em cargos de chefia. Chegou à Folha no início dos anos 1980 e lá permanece, agora, com um artigo aos domingos. Interessante que o diretor Otávio Frias Filho não gostava muito do que Jânio escrevia, nem Jânio gostava de muita coisa que a Folha fazia. Mas, ponto para a Folha, o jornal nunca pensou em prescindir do seu talento. Nem das suas críticas.
Jânio de Freitas é aquele jornalista que não abre mão de criticar o jornalismo brasileiro. Critica e, quando julga necessário, aponta os erros que, segundo ele, contribuíram com o cenário político que temos hoje no país. Ao mesmo tempo, reconhece a importância do jornalismo e o papel que este desempenha na manutenção da democracia.
Jânio de Freitas elogiou três jornalistas da GloboNews: André Trigueiro, Marcelo Lins e Natuza Nery, em quem vê uma revelação do jornalismo político. Cito a menção de Jânio a esses três profissionais porque, justo no momento em que escrevia esse texto, vi o extremo cuidado de Trigueiro ao dar uma informação que ainda não havia sido oficialmente confirmada, mas que precisava ser dada: o desfecho triste do desaparecimento do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira.
"O polêmico jornalismo brasileiro de TV fez um avanço importante com a ênfase lúcida que os três repórteres/comentaristas ousaram. E também a GloboNews, claro", escreveu Jânio de Freitas domingo (12) na Folha, referindo-se ao desaparecimento na Amazônia. A crença de Jânio em André, Marcelo e Natuza tem algo de simbólico. É a crença no jornalismo que se faz e está aí para ser feito. Traz esperança em tempo de desesperança.
Nesta quinta-feira (15), foi noticiado que a Folha de S. Paulo demitiu Jânio de Freitas. Claro que, em defesa da Folha, é possível argumentar que demitir, tanto quanto admitir, é uma prerrogativa das empresas. Também haverá quem defenda, correndo o risco de estar cometendo etarismo, a tese de que, aos 90 anos, o jornalista já não era mais tão produtivo, o que, no caso do profissional agora dispensado, não corresponde à verdade.
O problema é que a Folha não demitiu um colunista. O problema é que a Folha demitiu Jânio de Freitas. Jânio não é só um jornalista extraordinário. Jânio não é só um dos grandes jornalistas do país. Jânio é um símbolo do jornalismo brasileiro. Um símbolo gigante. Se você não sabia direito quem ele é, se você não conhecia direito a sua história, bastava lê-lo em seu artigo dominical na Folha de S. Paulo.
A presença de Jânio de Freitas na Folha era, inclusive, um excelente argumento em defesa da pluralidade do jornal. A Folha assume posturas editorialmente muito questionáveis, a Folha, em momento crucial, abre mão de cumprir um papel importante para a democracia brasileira, mas a Folha é plural - diríamos em defesa do jornal dos Frias. A Folha tem Jânio de Freitas a confirmar, todas as semanas, que escreve num veículo plural.
Pois bem, sem Jânio de Freitas, a Folha de S. Paulo perde muito dessa pluralidade que é tão importante num jornal do seu tamanho. Perde na essência, no conceito de diversidade que apregoa. A notícia da demissão de Jânio de Freitas vem acompanhada de um detalhe: ele teria sido dispensado por telefone. Será? A Folha bem que podia passar sem essa demissão de Jânio de Freitas. Jânio é imprescindível.
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