COMUNIDADE
Lugar de Fala: BBB e homens que defendem amigos agressores, é preciso questionar a masculinidade
Para além da escancarada violência psicológica sofrida pela atriz Bruna Griphao, uma discussão sobre o comportamento masculino que acolhe e ignora o erro.
Publicado em 27/01/2023 às 17:15
Muito mais que entretenimento. Há uns anos o Big Brother Brasil ultrapassou as barreiras da distração e virou vitrine de discussões sociais. Isso pode acontecer de várias formas. Na edição de 2020, por exemplo, os diálogos aconteciam entre os próprios participantes, principalmente sobre os papéis das mulheres.
Questionar as atitudes machistas, que eram nítidas para quem estava dentro e fora do programa, fez com que um grupo de várias amigas de jogo chegassem juntas ao fim da disputa. Assim, o BBB 20 virou a edição “girl power”. O ano seguinte já começou com usuários das redes sociais animados para assuntos relacionados à representatividade e como isso poderia render lá dentro, e o elenco levou todo mundo a acreditar que os assuntos da vez seriam negritude e racismo.
E foi, esses pontos foram abordados de muitas formas, mas algo não saiu como os ativistas poderiam esperar. É que, assim como acontece aqui fora, pessoas negras são múltiplas, em caráter, personalidade e crenças. A pluralidade gerou muitos ruídos, o que seria natural em qualquer convivência comum, mas não num contexto exposto para milhões de pessoas.
A participante Lumena, por exemplo, virou meme por ser questionadora e problematizar, exageradamente para muitos (até para ela, que falou sobre isso ao sair), aspectos da rotina.
Isso não deveria ser motivo de generalizações, mas diante do efeito manada da internet, depois de 2021 é como se questões sociais só pudessem ser tratadas no BBB num lugar de superficialidade. É triste, lamentável às vezes perceber o esvaziamento de discussões relevantes que afetam muitas populações. Mas o que esperar diante de uma roda de opiniões tão ampla, envolvendo pessoas diferentes do país inteiro?
Diante deste cenário, existem algumas exceções onde uma maioria entra em consenso. Foi numa dessas que, em menos de 1 semana de BBB 23, o apresentador Tadeu Schmidt precisou chamar atenção dos integrantes do programa. O casal Bruna Griphao e Gabriel Tavares, uma atriz global e um modelo anônimo, protagonizaram cenas preocupantes.
Vamos à linha cronológica dos fatos: no início Bruna resistiu às investidas do rapaz, ele insistia e ela parecia não querer. Na primeira festa o casal trocou beijos e a paquera seguiu pelos próximos dias. Antes de conseguir conquistar a atriz, Gabriel a tratava com gentileza, fazendo favores da rotina. Depois que começaram o breve relacionamento tudo mudou, com uma sequência de comportamentos tóxicos.
1 - Ela pediu beijo, ele negou e disse: a menina parece sarna.
2 - “Toda hora você vai me atropelar nessa porr*? Eu sou mudo ou você que é surda?!” disse Gabriel numa conversa comum, onde Bruna interage com ele e outro participante (algo comum em qualquer conversa).
3 - Ele disse que não queria estourar os cravos do rosto para “não ficar com a cara igual a dela”.
4 - Ele empurrou a atriz de forma agressiva por uma banalidade, tirando ela da frente para que ele pudesse entrar no confessionário.
5 - Ele perguntou se ela não tinha HPV, num comentário que foi misto de grosseria e machismo, pelo comportamento livre de Bruna.
6 - O estopim, Gabriel disse que Bruna poderia “levar umas cotoveladas na boca por falar demais”.
Na maioria das situações outros participantes estavam no momento, mas quase nenhuma interferência foi feita, alguns chegaram a rir de incitações nítidas de violência. Com tudo isso o programa, através do apresentador, disse que o relacionamento estava tóxico e reclamou com Gabriel, que recebeu apoio dos amigos homens.
Masculinidade e como homens acolhem agressores
Depois de tudo que aconteceu assistimos Mc Guimê, famoso cantor de funk, dizer que o problema não tinha a ver com o caráter de Gabriel e que ele era jovem demais. Essa desculpa foi reiterada por outros homens, isso me fez refletir sobre o quão confortável é a masculinidade, um lugar quentinho onde os seres recebem carinho até quando o erro é injustificável.
Ninguém esperava que Gabriel fosse abandonado e tratado com desprezo, mas num cenário justo os que se dizem seus amigos o responsabilizaria, usaria a intimidade para deixar nítido que a idade não é motivo para reprodução de violência. Amigos que ensinassem como o rapaz deve tratar mulheres com dignidade, já que ele parece não saber, ou querer. Para isso a masculinidade como é reiterada socialmente precisa ser questionada, desfeita e refeita sob novos pressupostos.
Masculinidade tóxica, para mim, é redundância. É que o masculino que é ensinado e alimentado no Brasil que conhecemos é problemático por si só, não requer adjetivo para exemplificar. Apesar disso, o que se tem atualmente não precisa ser a única realidade existente para sempre, mas é preciso reconhecer o piso encharcado de lama para que a limpeza comece.
O geógrafo carioca Caio César é conhecido na internet como um intelectual que discute o que é “coisa de homem”, a propositura de diálogo virou curso, com aulas ministradas em diferentes estados do país. As atividades até atraíram a atenção das Nações Unidas e Caio já participou do Fórum Internacional de Igualdade de Gênero na Tunísia para falar da iniciativa.
São trabalhadas formas de quebrar os estereótipos de gênero reiterados há séculos, que submetem mulheres à condições de objetificação e desrespeito, enquanto homens são forjados para violência e ausência de limites. No curso os homens são provocados a repensarem as próprias atitudes e a tomarem para si a responsabilidade de mudança.
Numa conversa com um estudante universitário acreditei que tal tomada de consciência (que não espera paciência e pedagogia das mulheres afetadas) pode ser o diferencial desta geração. Diogo Pinheiro tem 23 anos, é do interior da Paraíba e decidiu que questionar a masculinidade, seja a própria ou a dos amigos, é a principal forma de desconstruir os problemas do entorno:
“A partir do momento que a gente enxerga a sociedade como um lugar voltado para homens, orquestrada por homens, e começa a construir relações sem desejo com mulheres, conseguimos perceber o que entre nós vem de uma construção machista. Começamos a perceber, ouvindo as mulheres, quais problemas estamos criando e mantendo. Assim é possível repensar formas de ser”, acredita o jovem.
O que nos falta para que, em qualquer sinal de comportamentos tóxicos vindos de ‘Gabrieis’, como o do BBB, tenhamos mais ‘Diogos’ e menos ‘Guimês’. No fim, responsabilizar os homens para que eles desenvolvam estratégias de mudança entre eles mesmos é a maior contribuição da população em geral.
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