SILVIO OSIAS
Do PT de Lula ao PL de Bolsonaro, a Arthur Lira (quase) todos dizem sim. Política é o fim!
Publicado em 01/02/2023 às 8:21
A rima do título é apenas uma brincadeira. Serve para fugir um pouco do que há de trágico e violento nas relações políticas tal como elas estão postas no Brasil. Essa rima foi inspirada em Ele me deu um beijo na boca, canção que Caetano Veloso compôs há 40 anos. "Delfim, Margaret Thatcher, Menachem Begin, política é o fim" - cantava Caetano no tempo em que Delfim Netto, que assinou o AI5, era tão detestado quanto Thatcher e Begin. Depois, conselheiro de Lula, Dilma e Haddad, passou a ser respeitado pela esquerda. Pois é, indispensável, imprescindível, não vivemos sem ela - política é tudo isso, mas, como na rima de Caetano, não deixa de ser o fim.
Na esquerda, ou na centro-esquerda, ou no campo progressista, ou no campo democrático, ou mesmo na frente ampla que se formou, no segundo turno, para eleger Lula presidente - em todos esses espectros, o deputado federal Arthur Lira figurava muito perto do que havia de pior no cenário político nacional. O então presidente Bolsonaro era pior, claro, mas Lira era uma figura deplorável. Poderoso presidente da Câmara, comandava o Centrão, tinha sob seu controle o Orçamento Secreto e, transformando Bolsonaro num governante que a rigor não governava, atuava como se fosse um verdadeiro primeiro-ministro num país que é presidencialista.
Com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, foi diferente. Ele até foi parceiro de Bolsonaro, quando entendeu que podia ser, que a institucionalidade assim pedia, mas não abriu mão de se posicionar firmemente na defesa da democracia. Pelas posturas que assumiu, em nenhum momento esteve identificado com o bolsonarismo. De Lira, não se podia dizer o mesmo. O presidente da Câmara era, sim, um parceirão do presidente da República (Foto/Reprodução), ao lado de quem esteve o tempo todo, antes e durante a campanha eleitoral de 2022.
No domingo 30 de outubro, o TSE ainda nem divulgara o resultado oficial do segundo turno, e Lira já fez o primeiro movimento para se aproximar de Lula. Reconheceu a legitimidade da eleição e telefonou para o petista. O resto da história, a gente conhece bem. Arthur Lira é um democrata! - quase ninguém ousa dizer o contrário do homem que, nesta quarta-feira, primeiro dia do mês de fevereiro de 2023, deve se reeleger presidente da Câmara com uma votação consagradora, apoiado que é do PT do presidente Lula ao PL do ex-presidente Bolsonaro.
Política é assim? É, asseguram os que dela entendem. Admitir, então, que política é assim significa abrir mão de tudo o que, há pouco, parecia inegociável? Mirando de fora, ainda cremos, ingenuamente, que seria importante estabelecer alguns limites no jogo político e que esses limites estão sendo ultrapassados no cenário que reconduz Lira à Presidência da Câmara. Vale tudo no pragmatismo que norteia a política? Vale até trabalhar pela reeleição de um político cujos métodos ele próprio exibiu nos dois anos em que presidiu a Câmara dos Deputados?
A médio prazo, a reeleição de Lira será ruim para o governo do presidente Lula? O tempo dirá. A médio prazo, a reeleição de Lira será ruim para a democracia brasileira? O tempo também dirá. Num cenário mais promissor, não era esse o desejo nem a crença dos que, há apenas três meses, abraçavam uma candidatura comprometida com a reconstrução da democracia em oposição às intenções golpistas de Bolsonaro. A governabilidade e o pragmatismo levados às últimas consequências nos brindaram com o apoio de Lula a Lira. Pode até ser fácil de explicar, mas é muito difícil de digerir.
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