icon search
icon search
home icon Home > comunidade
compartilhar no whatsapp compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin copiar link deste artigo
Compartilhe o artigo
compartilhar no whatsapp compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin copiar link deste artigo
compartilhar artigo

COMUNIDADE

Lugar de Fala: nem menina nem menino, atriz paraibana se assume trans não binária e escapa das caixinhas de gênero

Numa sociedade com padrões de gênero definidos e exigidos, o desafio de quem questiona com a própria existência os limitadores de identidade.

Publicado em 03/02/2023 às 17:03 | Atualizado em 03/02/2023 às 18:21


                                        
                                            Lugar de Fala: nem menina nem menino, atriz paraibana se assume trans não binária e escapa das caixinhas de gênero
Atriz paraibana Nila. Foto: Divulgação

Vivemos em tempos de chá revelação. A disputa entre rosa e azul (ou verde e lilás a depender da preferência do casal) viraliza nas redes sociais com muita frequência. A quem chame de brega as festas que acontecem com a intenção de revelar aos pais, familiares e amigos o sexo biológico do bebê que está para nascer.

 É que, cá entre nós, um corante na água do vaso sanitário pode ser algo bem inusitado (sim, há vídeos deste tipo de chá revelação). Excentricidades à parte, a discussão pode ir bem mais longe. E aqui deixo nítido que o que escrevo não é para definir o que pode ou não pode diante da experiência única que é viver uma gestação, mas um espaço de reflexão das expectativas de gênero que depositamos em seres que ainda nem vieram ao mundo. 

Na maioria das vezes, ao escolher saber do sexo biológico da criança através de exames de imagens durante a gestação, os pais e as pessoas em volta definem diversos pressupostos com base nessa informação inicial que, acompanhada de algumas questões sobre fisiologia, acaba sendo um dos poucos enigmas desvendados sobre aquela pessoa que ainda nascerá e se tornará alguém. 

Quando o profissional de saúde responsável informa que se trata de uma menina, padrões de estética, comportamento e escolhas são estabelecidos antes mesmo do nascimento. O mesmo vale ao saber que algumas informações genéticas atestam que será um menino, biologicamente falando. E assim tem início a sequência de expectativas que serão nutridas até que um dia sejam, talvez, quebradas pela prole. 

Quando isso acontece e a pessoa não se reoconhece com o sexo biológico definido previamente, seja tal descoberta na infância, adolescência ou fase adulta, o caminho fica difícil demais de ser trilhado. São desafios de entendimento e aceitação de si, mas principalmente de incompreensão e desumanização da sociedade. 

As pessoas que não se reconhecem, em termos de gênero, em concordância com o sexo definido ao nascerem são tidas como pessoas trans. Isso é algo que, a julgar pela leveza que trago no texto até aqui, poderia ser fácil de entender. Mas não é, e assim entra em cena a transfobia. 

Esta população passa a ser protagonista de inúmeras situações de violência e desprezo, dentro e fora de casa. Tratadas como dejetos, pessoas trans já viveram períodos históricos em que suas identidades eram relacionadas a problemas psiquiátricos. 

Até 2019 a transexualidade era considerada um transtorno mental pela Classificação Internacional de Doenças, feita pela Organização Mundial da Saúde. A mudança que aconteceu há pouco mais de três anos colocou a identidade de gênero trans numa categoria de condição relacionada à saúde sexual. Com isso, pessoas trans são reconhecidas como necessitadas de atenções específicas de saúde, como cirurgias e determinados tratamentos. 

A comunidade LGBTQIA+ comemorou a alteração que veio após décadas de reivindicações, afinal, era impossível combater a transfobia quando a opressão era regulamentada pelo maior órgão de saúde do planeta. Muito antes da conquista, os movimentos sociais travam outras reivindicações, como a ampliação de oportunidades dignas na educação e no mercado de trabalho, através de políticas públicas de reparação. 

Temos dados graves de pessoas trans que se submetem a prostituição por falta de espaço no mercado formal. Diante de tantas dificuldades e de um passado que violentou, de todas as formas, a identidade social deste grupo, o principal desafio segue sendo a desinformação nutrida para exclusão. 


				
					Lugar de Fala: nem menina nem menino, atriz paraibana se assume trans não binária e escapa das caixinhas de gênero
Foto: Divulgação. Foto: Divulgação

Caixinhas de gênero e a fuga das que não se encaixam

Esta semana, uma atriz paraibana usou as redes sociais para se assumir enquanto uma pessoa trans não binária. Nila, nome social compartilhado recentemente, participou da novela ‘Malhação: vidas brasileiras’ e ficou conhecida por interpretar, na época, um estudante gay que protagonizou a primeira cena de beijo entre dois homens da história da telenovela, que na época estava em seu 23º ano. 

A artista afirmou que teve medo de se assumir pois no cinema e na televisão não costumam pensar papéis para pessoas como ela, mas disse que a não-binariedade é a identidade de gênero que faz com que ela se sinta confortável para ser o que é, e saber que o processo de entendimento dela é infinito. Nila também afirmou que prefere ser tratada por pronomes femininos. 

Um dos pontos mais bonitos do seu relato veio quando ela contou que há um tempo já se identifica como Nila na vida pessoal, mas agora decidiu trazer isso, também, para vida pública e artística. Para além de se assumir para o mundo, ela decidiu que não vale a pena se esconder já que a Nila ‘atriz’ e a Nila ‘pessoa’ merecem respeito e compreensão. 

Ser uma pessoa não binária é, basicamente, não se identificar nem como homem, nem como mulher. São pessoas trans por não se enxergarem de acordo com o sexo biológico, mas a transição de gênero não se dá, neste caso, como um processo de saída de um gênero para outro. Não é como nascer com o sexo biológico feminino e se identificar com o gênero masculino, é mais amplo e mais livre também. 

D’Angelles Coutinho é especialista em Gênero e Diversidade na Escola pela Universidade Federal da Paraíba, ela entra na discussão como alguém que estudou incansavelmente para responder às perguntas confusas de muita gente. 

“Uma pessoa não binária também conflita com as expectativas de gênero, mas conflita de uma outra forma com a organização da sociedade. O sistema só nos permite ser menina ou menino, e se alguém não se ver como nenhum dos dois? A sociedade não nos vê como legítimos por estarmos fora das possibilidades”, revela a pesquisadora. 

A pesquisa é um pouco do retrato da vida desta estudiosa, ela se entende enquanto uma pessoa não binária e conta que quem está de fora não costuma entendê-la. D’Angelles diz que tem uma entonação vocal que muitos enxergam como masculina, mas que as roupas e a estética se aproximam mais do que consideram feminino. Ela se enxerga nos dois, mas não se vê separadamente em nenhuma caixinha. 

Qual o nível de solidão enfrentado por pessoas que, no íntimo de sua subjetividade, não se encaixam no que tentam impor sobre todos nós? A vida de pessoas trans não binárias pode ser um eterno sentimento de despertencimento. E não  pertencer causa doenças mentais verdadeiras, como ansiedade, depressão e tantas outras dores emocionais provenientes não da identidade de gênero, mas da insistência de desconhecimento da sociedade. 

A transfobia pode ser comparada com qualquer outra pré-determinação que levou grupos sociais a lugares de sofrimento e violência. O racismo, a xenofobia e a intolerância religiosa utilizados por grupos políticos genocidas, como os nazistas, nada mais são que estratégias de exclusão e opressão usadas para violentar e controlar outros corpos. 

Hoje, na medida que nos distanciamos daquele período histórico, conseguimos enxergar os horrores da tentativa de impor que uma raça seria pura e as demais mereciam a tortura e a morte. Não chame de radical a comparação que farei agora, afinal, somos o país que mais assassina corpos trans no planeta. O que nos difere da barbárie? O que nos torna melhores do que o tempo em que pessoas morriam e eram torturadas apenas por terem nascido da maneira que nasceram?

A grande diferença é que, no momento histórico que vivemos hoje, direitos humanos foram conquistados para que torturadores e assassinos sejam punidos. Mas resistir às informações dos novos tempos e insistir em desrespeitar pessoas trans e suas vivências, ainda que em pequenas rodas de amigos, é criar munição social e intelectual suficiente para que essas pessoas sigam sendo desumanizadas. 

Quem livra grupos da miséria, do abandono e da violência é a criação de políticas públicas e a consciência coletiva da sociedade. Enxergar gênero como algo plural o suficiente para não caber em caixinhas é alimentar uma pedagogia da liberdade, do respeito e de uma inclusão capaz de salvar vidas que ainda lutam por sobrevivência, mas também merecem direitos variados e ascensão socioeconômica. 

Imagem

Ana Beatriz Rocha

Tags

Comentários

Leia Também

  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
    compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp