MEIO AMBIENTE
Plano Diretor de João Pessoa: o que diz a legislação
Legislação em debate define todo o planejamento urbano de uma cidade e precisa ser revisado a cada dez anos.
Publicado em 19/03/2023 às 13:03
O Plano Diretor de João Pessoa começou a ser discutido nesta semana na Câmara Municipal da capital paraibana em meio a protestos e polêmicas. E a expectativa, segundo os relatos de quem trata da questão, é que os próximos dez anos da cidade estarão em jogo durante esse debate. Isso porque toda a questão urbana de um município como João Pessoa são definidas nessa legislação específica. De forma que, a depender do que seja aprovado, muita coisa pode mudar. Muitos interesses podem ser contemplados ou contrariados.
Mas, afinal, o que é o plano diretor de uma cidade? Que legislação define sua legalidade e seus objetivos? E por que João Pessoa está neste momento discutindo isso?
O Jornal da Paraíba responde às principais questões em torno do tema.
O que diz a lei sobre o plano diretor de uma cidade?
O regramento sobre o Plano Diretor Municipal está previsto no Art. 182 da Constituição Federal, numa parte da lei magna que trata “da política urbana”.
O artigo em questão, pois, se refere à “política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal”. Algo que, ainda de acordo com o texto, tem como objetivo “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.
De acordo com o inciso 1º, o plano diretor, a ser aprovado pelas respectivas câmaras municipais, é obrigatório para todas as cidades brasileiras com mais de vinte mil habitantes. E é classificado como “o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana”. Já no inciso 2º, fala-se de uma função social da propriedade.
Na prática, portanto, o plano diretor é responsável por todas as “exigências fundamentais de ordenação da cidade”, de forma que é a partir dele que os rumos urbanos de uma cidade poderão ser definidos para os anos seguintes.
Uma lei específica para tratar da questão
É a Constituição Federal quem prevê a exigência de planos diretores em municípios com população a partir de 20 mil pessoas. Mas a Constituição trata da questão de forma rápida, destacando basicamente que esse é um dever das prefeituras e das câmaras municipais, de forma que existe todo um regulamento adicional que trata da questão de forma mais aprofundada.
Trata-se da Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001, que ficou conhecida como Estatuto da Cidade, e que serve justamente para regulamentar os artigos 182 e 183 (que trata da posse de imóvel por usucapião) da Constituição Federal.
O urbanista Flávio Tavares explica que esses dois artigos foram incluídos na Constituição a partir de toda "uma luta do movimento da reforma urbana", mas que depois disso houve um movimento histórico para aprofundar o debate.
Precisava de regulamentação porque eles são genéricos. Se bem que só o termo 'função social da cidade e da propriedade', basicamente, já gera tudo o que a gente tem hoje de política urbana no país.
Flávio Tavares, urbanista
Especificamente sobre o Estatuto da Cidade, a lei de 2021 passa a falar especificamente dos planos diretores a partir do Art. 39. Entre outras questões, destaca-se que “o plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal” e deverá “englobar o território do município como um todo”.
Destaca ainda que o plano diretor é obrigatório, para além dos já citados municípios com população mínima de 20 mil habitantes, nos casos de regiões metropolitanas, em áreas de especial interesse turístico e inseridas em área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental. Bastava um, mas todos esses pré-requisitos são atendidos por João Pessoa.
A lei, inclusive, prevê que em municípios com mais de 500 mil habitantes, o que também é o caso da capital paraibana, seja “elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor”.
Por que João Pessoa está discutindo o plano diretor neste momento?
Outro detalhe é que o Estatuto da Cidade, em seu inciso 3º, Art. 40, define que “a lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos”. E que isso só pode acontecer a partir da realização de “audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade”, da “publicidade quanto aos documentos e informações produzidos” e com o “acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos”.
A saber, o Plano Diretor da Cidade de João Pessoa foi originalmente publicado como Lei Complementar nº 3 de 30 de dezembro de 1992 e foi assinada pelo então prefeito Carlos Mangueira. À época, a nova lei atendia ao que exigia a Constituição Federal, mas ainda não havia a obrigatoriedade de uma revisão periódica.
Foi justo com o Estatuto da Cidade, aprovado em 2021, que essa revisão passou a ser obrigatória, e em João Pessoa isso aconteceu pela primeira vez em 2008, pelo então prefeito Ricardo Coutinho.
O Plano Diretor de João Pessoa que está em vigência atualmente, assim, está publicado na Lei Complementar nº 54 de 23 de dezembro de 2008, que no entanto só foi consolidada pelo Decreto nº 6.499 de 20 de março de 2009.
Pela lei federal que regulamenta os planos diretores, portanto, João Pessoa está atrasada em pelo menos três anos nesse processo de realizar uma nova revisão, a segunda de sua história. Essa deveria ter acontecido até 2019, ainda na gestão de Luciano Cartaxo, mas só agora em 2023 passa a ser analisada pelo atual prefeito Cícero Lucena.
Uma lei que pode mudar os rumos urbanos de uma cidade
Não são exageradas as declarações que dizem que um plano diretor, se aprovado sem o devido debate com a sociedade civil, pode mudar as características de uma cidade. E definir os rumos urbanos que ela vai seguir na década seguinte.
Isso porque a legislação destaca que é o plano diretor, por exemplo, que define a delimitação das áreas e dos perímetros urbanos, o uso e a ocupação do solo, a questão da regularização fundiária, entre outros.
É no Plano Diretor de João Pessoa de 1992 (e mantido na revisão de 2008), por sinal, que está posto o cálculo que define o tamanho dos prédios permitidos na orla da capital paraibana, que provoca um escalonamento entre os 150m e os 500m de continente a partir da linha da maré alta nas luas novas e cheias. Por exemplo, em teoria, se esses cálculos fossem modificados na aprovação da nova lei, todas as construções de prédios na orla da capital poderiam ser igualmente modificadas.
Esse é apenas um exemplo. O Plano Diretor de João Pessoa tem também como atribuição “a regularização fundiária e a urbanização das áreas habitadas pela população de baixa renda”. Mudanças na lei podem provocar desapropriações, portanto, de comunidades já estabelecidas em certas zonas da cidade.
Como também, apenas para citar um último exemplo, mudanças no plano diretor podem servir a interesses privados, porque está previsto ainda que a lei serve para regulamentar “a participação da iniciativa privada nos investimentos destinados a transformação e urbanização” da cidade.
Comentários