SILVIO OSIAS
Lula festeja a vitória da democracia, mas, na vida real, há muito pouco o que comemorar
Publicado em 08/01/2024 às 8:55
No dia oito de janeiro de 2023, há um ano, dois cenários me eram postos. De um lado, havia os relatos de pessoas que, uma semana antes, estiveram em Brasília testemunhando a posse do presidente Lula. "É tudo paz e amor", ouvi de uma dessas testemunhas.
Do outro lado, havia, nas redes sociais, uma estranha movimentação de vozes da ultradireita bolsonarista. "Vai haver uma porcaria em Brasília" - ousei dizer durante o café da manhã daquele domingo.
Depois do almoço, vi o filme (1985) sobre o julgamento dos militares da ditadura argentina, tirei um cochilo e fui acordado pelo plantão da GloboNews. Paris está em chamas - sabem aquele filme dos anos 1960? Ainda que metaforicamente, dessa vez, era Brasília que estava em chamas.
Pois é. Como se costuma dizer, o resto é História. Nessa segunda-feira, oito de janeiro de 2024, faz um ano, e os que ficaram do lado da democracia e agiram pela sua preservação comemoram solenemente a vitória.
Se é que é possível, a um só tempo, acho importante e desimportante a comemoração. Sendo mais claro: importante porque não deixa de ser significativo que tenhamos uma data para, a partir da lembrança do mal, fixarmos que o que aconteceu foi o triunfo do bem.
Mas desimportante porque cabe perguntar: que democracia é essa nossa em que o presidente da República precisa convocar ministros e representantes dos demais poderes para uma solenidade que festeja o fato de que não houve um golpe de estado?
Bolsonaro foi defenestrado pelo voto popular e agora está inelegível por causa da sua conduta criminosa. Lula é o presidente, e a sua volta ao poder devolve ao país uma normalidade política que perdemos de 2019 a 2022, os anos em que Jair Bolsonaro foi o presidente da República. Bolsonaro fora, Lula dentro. Todos os dias, devemos reconhecer que isso faz bem ao Brasil.
Mas não tenhamos ilusões. Lula é refém do centrão, de Lira, dos militares. Lula parece não entender que tudo mudou em 20 anos, enquanto a banda progressista do seu governo joga pra arquibancada, porque, de concreto, muito pouco pode fazer.
Nesse oito de janeiro de 2024, as forças democráticas celebram a vitória da democracia. Essas forças, no entanto, estão longe do país em que os preços dos alimentos continuam altos, os miseráveis permanecem nos sinais pedindo dinheiro e comida e - mencionando algo de grande força simbólica - um padre é perseguido por ser genuinamente cristão.
Nossos avanços civilizatórios são lentos como os passos de uma tartaruga. Na vida real, há pouco a comemorar. Mas, mais tarde, ainda nessa segunda-feira, vão dizer que foi bonita a festa da democracia. E que, com instituições fortes, o Brasil está no caminho certo.
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