CULTURA
Teatro Juteca pode ser revitalizado
Na próxima terça-feira, uma comissão da Juteca irá se reunir com representantes da Funjope para decidir o destino do teatro.
Publicado em 23/02/2014 às 6:00 | Atualizado em 06/07/2023 às 12:33
As ruínas do Teatro Juteca são um mausoléu de lembranças.
Escombros que sepultam a memória de uma geração que fundou o que hoje chamamos de teatro na Paraíba. Diante do galpão abandonado cujo teto não resistiu às intempéries e acabou desabando no ano passado, a atriz Zezita Matos ouve vozes e aplausos que silenciaram há muitas décadas.
Ela junta as mãos e parece entoar uma prece pelos que já se foram: "Eu me lembro de quando cheguei em João Pessoa, em 1958, e conheci Ednaldo (do Egypto). Me lembro do sonho de fazer este teatro. Me lembro das mesas de bar e de horas e horas sentados, planejando este sonho."
Zezita e Ednaldo faziam parte de um grupo de apaixonados pela arte de atuar que fundaram a Juventude Teatral de Cruz das Armas (a Juteca). Eles acreditaram em um sonho que se tornou realidade em 1961, quando a Paróquia São José ajudou os jovens a comprar o terreno onde eles ergueram seu teatro-sede. Foram 20 anos de cortinas abertas. A partir dos anos 80, o espaço começa a entrar em declínio. Era o lento despertar de um sonho para o enfrentamento de uma realidade cruel: as portas do Teatro Juteca não voltariam a se abrir tão cedo.
Esta semana, porém, o espaço volta a vislumbrar os seus dias de glória: na próxima terça-feira, uma comissão da Juteca irá se reunir com representantes da Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope) para decidir o destino do teatro. É o novo capítulo de uma epopeia que já dura mais de dez anos e envolveu a mobilização da comunidade de Cruz das Armas com várias instâncias do Poder Público, do Governo Federal ao Municipal.
"A revitalização do Teatro Juteca tem uma importância não apenas de valor patrimonial e histórico, pela memória dos atores e atrizes que passaram por ele, mas também cultural, já que vai dar visibilidade a um bairro que, de certa forma, é marginalizado e carente de espaços de arte e lazer", defende Sebastião Terra, atual presidente da associação Juteca, hoje o principal articulador de um movimento que quer reformar o teatro e torná-lo um centro cultural de gestão compartilhada com outros grupos teatrais de João Pessoa.
Na última assembleia organizada pela comissão da Juteca, realizada na semana passada com a presença de cerca de 60 pessoas, entre representantes da Funjope, da comunidade teatral e da sociedade civil, ficou acordado que o terreno que abriga os destroços do teatro seria doado à Prefeitura Municipal de João Pessoa com a contrapartida da reforma do espaço e da garantia de que o sistema de gestão seria compartilhado entre grupos definidos a partir da publicação de editais periódicos.
"A ideia é embrionária ainda, mas já dá certo em outros Estados como São Paulo e Rio de Janeiro", afirma Zezita Matos, autora da proposta feita durante a assembleia. "Seria uma forma de abraçar os grupos que, por exemplo, não têm sede nem lugar para ensaiar em João Pessoa."
EM TRAMITAÇÃO
De acordo com Calina Bispo, coordenadora da divisão de artes cênicas da Funjope, a próxima reunião com o grupo será para firmar um termo de doação do terreno e estabelecer as cláusulas que envolvem tal doação. "Alguns pontos ainda precisam ser discutidos com a comissão, como a questão de um imóvel anexo que precisa ser desapropriado para a construção de uma parte do novo teatro", ressalta Calina, que avalia em R$ 600 mil o orçamento prévio para a reforma, valor que ainda será discutido entre a diretoria da Funjope e a Superintendência de Obras do Plano de Desenvolvimento do Estado (Suplan).
O projeto de reforma do Teatro Juteca vem sendo desenvolvido desde 2003 e é assinado pelo arquiteto Ernani Henrique, professor do Centro Universitário de João Pessoa (Unipê) e um dos coordenadores do Laboratório de Práticas Projetuais do Curso de Arquitetura e Urbanismo.
TESTEMUNHO DA HISTÓRIA
"Às vezes eu olho para trás e parece que nada daquilo realmente aconteceu", confessa Zezita Matos, referindo-se aos primórdios do Teatro Juteca, no início dos anos 60. A atriz, que na época participava também de outro grupo, o Teatro Popular de Arte (na foto ao lado dos então jovens atores Vladimir Carvalho e Jurandir Moura), lembra com carinho de um tempo em que o glamouroso Santa Roza era ainda um paraíso inacessível e o pequeno espaço do bairro de Cruz das Armas era o reduto de um teatro político e pulsante.
"Nós éramos da juventude comunista e tínhamos esse ideal de ver a arte acontecendo nas ruas e nos bairros. Apesar de não termos montado nada, lemos tudo que podíamos de Guarnieri", conta Zezita, reconstituindo mentalmente as sessões de leitura de textos como Eles Não Usam Black-Tie (1958), adaptado originalmente em um teatro de bairro (hoje o Teatro de Arena, em São Paulo), um exemplo que tomavam para si e adubavam os sonhos em sonolentas viagens de trem pelo Nordeste, levando suas peças.
Em 2002, pouco depois da morte de Ednaldo do Egypto, quando Sebastião Terra reuniu os fundadores remanescentes do teatro e criou um movimento chamado Nova Juteca, a arte voltou para dar impulso à campanha ressuscitada este ano, a partir do diálogo com a Funjope. "Nós fizemos um espetáculo chamado 'Noite de Lua' no meio dos destroços do teatro, para chamar atenção do povo e sensibilizar o público. Procuramos a imprensa mas a discussão acabou sendo sufocada em panos quentes", revela Zezita.
RISCO DE DESABAMENTO
Em visita recente ao Juteca, Sebastião constatou que, além da parte do teto que havia desabado no ano passado, uma parede também foi ao chão e toda a estrutura do teatro ameaça ruir, comprometendo os imóveis localizados nas laterais e a segurança dos moradores do bairro de Cruz das Armas. "A interdição do prédio é uma medida urgente", argumenta o presidente da Juteca, que teme pelo estado de deterioração do teatro.
A expectativa de Zezita, que também é vice-presidente da Juteca, é de que o processo de doação do teatro e sua consequente reforma ocorram em um futuro próximo. "Nós estamos avançando nas discussões e, além da escolta da comunidade de Cruz das Armas, contamos com o apoio do vereador Fuba na Câmara Municipal", sublinha a atriz. "O Teatro Juteca não é uma coisa minha ou de Sebastião ou do bairro, mas tem uma dimensão maior: é uma questão de toda a cidade."
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