SILVIO OSIAS
Agnaldo Almeida fez, pensou e ensinou jornalismo
Publicado em 26/02/2024 às 7:45 | Atualizado em 29/02/2024 às 7:23
Agnaldo Almeida (Foto/Reprodução) morreu na madrugada deste domingo, 25 de fevereiro de 2024. O jornalista fazia tratamento oncológico. Estava com 73 anos.
Conheci Agnaldo Almeida em outubro de 1974. Antônio Barreto Neto me levara para publicar textos sobre cinema no velho Correio da Paraíba de Teotônio Neto, que funcionava na Barão do Triunfo e tinha Jurandy Moura como editor. Agnaldo tinha 24 anos. Eu, somente 15.
Ali no Correio, Agnaldo se destacava como repórter de política pela sensibilidade com que apurava os fatos e pela qualidade do texto com que os registrava. No primeiro dia de abril de 1975, fui com ele à primeira entrevista coletiva de que participei, no Teatro Santa Roza. O entrevistado: Gilberto Gil.
Agnaldo admirava os tropicalistas, cujo movimento, em 1968, testemunhou quando ainda morava em Campina Grande, a cidade onde nasceu. A Campina da sua juventude tinha Zé Nêumanne, Bráulio Tavares, tinha do forró de Rosil Cavalcanti ao rock dos Beatles, tinha Glauber, Godard e o cineclubismo.
Em 1975, depois da posse do governador Ivan Bichara, Agnaldo trocou a reportagem política do Correio pela editoria do jornal A União, onde passou pelo governo de Ivan e permaneceu por boa parte do primeiro governo de Tarcísio Burity. A União sob José Souto, Nathanael Alves e Petrônio Souto.
Agnaldo ainda não tinha 25 anos quando assumiu a editoria do jornal oficial e mal passara dos 30 quando sucedido por Walter Galvão. Penso que foi a grande fase da sua trajetória, não só pelo que aprendeu, mas, sobretudo, pelo que já pôde ensinar aos que, mais jovens do que ele, estavam chegando à redação.
A redação de Agnaldo não era uma redação silenciosa, como, tristemente, são as redações de hoje em dia. A redação de Agnaldo era uma redação de conversas acaloradas e de debate permanente sobre a realidade lá fora e sobre, lá dentro, o fazer jornalístico.
Na redação de Agnaldo, o presidente da API ouviu um rotundo "não" como resposta à tentativa de veto de uma matéria. Na redação de Agnaldo, lembro que publiquei um artigo com dura crítica ao dirigente de uma empresa do governo estadual e não sofri qualquer censura.
Na redação de Agnaldo, estive ao lado dele naquela noite em que O Botafogo da Paraíba venceu o Flamengo no Maracanã. E também no início da madrugada em que Ronald Reagan derrotou Jimmy Carter na eleição americana, mandando embora o presidente dos direitos humanos e devolvendo a Casa Branca à pior direita do Partido Republicano.
Na redação de Agnaldo, estivemos juntos naquela terça-feira, nove de dezembro de 1980, horas depois do assassinato do beatle John Lennon. Escrevi o necrológio e nunca tirei da memória a objetividade da manchete de página que Agnaldo escolheu: "John Lennon está morto".
Na redação de Agnaldo, estivemos juntos naquele sábado, 22 de agosto de 1981, em que o Brasil do cinema foi surpreendido pela morte de Glauber Rocha. Aquele necrológio tinha o esforço coletivo de Agnaldo Almeida, Carlos Aranha, Walter Galvão e eu. E tinha ainda Vladimir Carvalho e Linduarte Noronha.
Na redação de Agnaldo, política estadual era um negócio complicado porque o jornal era do governo. Mas, aos poucos, com o advento da chamada abertura política, fomos ficando mais à vontade com os temas nacionais. "Viveremos dias de turbulência" era o título da entrevista de Tancredo Neves a Wellington Fodinha.
Na redação de Agnaldo, ainda na ditadura e com governador de direita, nos espalhamos pelos sofás e pelo chão da editoria para receber o líder comunista Gregório Bezerra, que, anistiado, acabara de voltar do exílio na União Soviética.
Na redação de Agnaldo, havia lições de ética e de rigoroso compromisso com a informação correta. Ética e informação correta - que a gente viu escasseando. Aquela, com a ascensão do jornalismo popularesco. Esta, quando o terremoto digital alcançou o jornalismo profissional.
Um feito de Agnaldo Almeida como editor de A União. Se me fosse pedido para mencionar somente um, não teria qualquer dúvida: a criação do Jornal de Domingo. Se a cobertura dos temas políticos tinha seus limites, a cultura estava completamente liberada.
O Jornal de Domingo era um caderno especial de oito páginas. Entrevistas, artigos, matérias especiais. Fazíamos aquilo com um amor e um empenho absolutamente singulares, sob a batuta de Agnaldo. De vez em quando, ainda hoje, me ocorre a ideia de que o Jornal de Domingo dá dissertação de mestrado ou tese de doutorado.
Por volta de 1980, fiz gestões para que A União contratasse minha colega de universidade Naná Garcez e, mais tarde, fui cupido do namoro dela com Agnaldo. Namoro que deu em casamento, um filho e uma filha. Foi Naná que, na madrugada deste domingo, 24 de fevereiro de 2024, me avisou da morte de Agnaldo.
De texto primoroso, Agnaldo Almeida é um dos grandes nomes do jornalismo da Paraíba. Agnaldo Almeida fez jornalismo e pensou o jornalismo. Era esse pensar que o diferenciava de muitos. Agnaldo Almeida fez jornalismo, pensou o jornalismo e ensinou jornalismo a muitos dos que com ele trabalharam. É extraordinário legado.
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