POLÍTICA
Delação premiada: o que é e para o que serve
Mecanismo jurídico da delação premiada é utilizado em investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, no caso de fraude nos cartões de vacinas, e também no desvendamento da morte da ex-vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco.
Publicado em 20/03/2024 às 16:57 | Atualizado em 20/03/2024 às 17:07
A expressão delação premiada ficou muito conhecida nos últimos anos por conta de diversos casos de investigação contra crimes que ganharam muita notoriedade no país, desde o uso na Operação Lava Jato aos casos de supostas fraudes do cartão de vacina do ex-presidente Jair Bolsonaro e também a tentativa de desvendamento da morte da ex-vereadora Marielle Franco.
Apesar desta expressão estar em alta no noticiário recente, no entanto, o significado dela ainda gera muita dúvida. O Jornal da Paraíba preparou uma matéria especial com o que você precisa saber sobre delação premiada, o que é, para que serve e se é um artifício jurídico bem aceito no meio, mesmo após polêmicas envolvendo casos que utilizaram o mecanismo.
O que é delação premiada
De acordo com o advogado especialista em direito penal, Inngo Miná, a delação premiada como conhecemos entrou em vigor apenas a partir de 2013 e o principal objetivo é a obtenção de provas em processos de investigação.
“A delação tem por objetivo principal ser meio de obtenção de provas das quais o Estado através de investigação não conseguiu. Para tanto o Ministério Público, ou polícia, negocia com o acusado de passar essas informações com a contrapartida de obter benefícios em sua pena”, disse o advogado.
O especialista disse também que, ao contrário do que se acha no senso comum, juridicamente a delação premiada é apenas um meio para obtenção de provas e não a prova em si.
Sobre os crimes pelos quais as investigações podem se utilizar da delação premiada para obtenção de provas, ele disse ainda que a legislação atualmente estabelece o crime de organização criminosa como passível para que se aplique o dispositivo da lei. Todavia, a jurisprudência de cortes superiores no Brasil dão espaço para que o mecanismo seja usado em qualquer crime que tenha havido concurso de agentes, ou seja o envolvimento de duas ou mais pessoas na mesma infração.
“A jurisprudência das cortes superiores entende que é cabível (a aplicação da delação premiada) em qualquer crime cometido em concurso de agentes , ou seja, em crimes cometidos com pluralidade de réus”, ressaltou.
Ainda foi destacado que, apesar da delação aparecer em casos de mais notoriedade, por conta da complexidade dos participantes em crimes, esse instrumento não leva em consideração o “status” dos envolvidos.
“Não é só em casos complexos que a delação aparece, muito embora a pluralidade de réus implique em uma maior dificuldade no seu processamento, mas esse não é o ponto crucial para determinar sua aplicação, podendo ser aplicado em crimes comuns, desde que com vários acusados”, disse.
Tudo é prova na delação?
De acordo com Inngo Miná, apesar do acordo de colaboração entre o investigado e os órgãos responsáveis, não necessariamente tudo que é dito é levado em consideração e aproveitado no desvendar de cada crime.
“Nem tudo que é relatado pelo colaborador deverá ser levado em consideração, é necessário ser checado pelos órgãos competentes a veracidade dos fatos, bem como alguns pontos serem rechaçados e, apenas, ser levado em consideração aquelas que estão devidamente provadas através da investigação”, explicou.
Os investigados que pactuaram a delação premiada, como o próprio nome sugere, podem ser beneficiados de diversas formas em relação ao tamanho da pena que seria imposta pelo cometimento da infração, além de outros benefícios, como explica o advogado.
“A colaboração, como o próprio nome do instrumento diz, traz um prêmio para o seu ‘colaborador’, seja diminuição da eventual pena que será imposta, seja retirado do regime de pena fechado para o cumprimento de pena no regime semiaberto ou aberto. Naturalmente traz benefícios ao delator de acordo com o caso concreto”, contou.
A delação e o meio jurídico
Um ponto discutido com o advogado especialista em direito penal foi a visão sobre a delação premiada, isso porque, principalmente por conta da utilização da ferramenta jurídica por parte do procurador Deltan Dallagnol e também do juiz Sérgio Moro durante a Operação Lava Jato, especialistas e integrantes da sociedade civil, criticaram a própria noção de delação e também a forma como foi aplicada.
O especialista se mostrou negativo quanto a sua utilização, principalmente por conta da regulação que estabeleceu a delação premiada no Brasil.
“Esse instrumento de colaboração premiada tem várias críticas a serem feitas, desde a forma que foi implantado no ordenamento jurídico brasileiro, tendo sido importado de outras nações, sem os mínimos critérios de compatibilidade com nossa Constituição Federal”, opinou.
Além disso, ele disse também que, o meio de obtenção de prova pela delação premiada é um caminho controverso, porque o “colaborador” pode não apresentar a veracidade dos fatos no relato que faz aos órgãos responsáveis.
“O ponto negativo mais importante da delação, na prática, é como foi utilizada durante um bom tempo, como um verdadeiro instrumento de tortura psicológica, sendo realizado acordos com réus presos para obtenção de liberdade, o que é inclusive vedado. Isso acabou pode acabar maculando frontalmente a veracidade do que foi relatado por motivos óbvios”, contou.
Delação premiada em investigações contra Bolsonaro e no caso Marielle Franco
A delação premiada voltou à tona recentemente por conta das investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, no caso da tentativa de Golpe Militar e também fraudes dos cartões de vacina do político. O instrumento jurídico também foi aplicado na tentativa da polícia em desvendar o mistério da morte da ex-vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco.
Nos casos relacionado a Bolsonaro, o ex-ajudante de ordens dele, Mauro Cid, fechou um acordo de delação premiada com a Polícia Federal, para contar como o ex-presidente participou da tentativa de Golpe Militar no Brasil, resultando na criação de uma minuta declarando estado de sítio no país, além de um discurso pronto para a leitura do próprio Bolsonaro após a instauração do golpe.
O acordo de delação também abrangeu em relação a possível fraude dos cartões de vacina do presidente e da filha dele, de 12 anos. Segundo Cid, a ordem para criar cartões de vacinação contra a Covid-19 falsos partiu do próprio ex-presidente.
Em relação às investigações sobre o assassinato de Marielle Franco, o autor dos disparos que matou a ex-vereadora e também o motorista do carro dela, Anderson Gomes, o ex-polícial militar Ronnie Lessa fechou acordo de delação e já teria contado a Polícia Federal os mandantes do crime, de acordo com informações da GloboNews.
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