SILVIO OSIAS
Refém dos militares, Lula agora quer que a gente esqueça 1964
Publicado em 21/03/2024 às 8:49
Domingo, 15 de novembro de 1989. Saí de casa logo cedo para votar na primeira eleição presidencial desde aquela que, em 1960, elegeu Jânio Quadros. A manchete de um dos jornais de João Pessoa dizia mais ou menos assim: "Hoje é dia de esquececer 1964".
Mais tarde, já na redação da TV Cabo Branco, Erialdo Pereira comentou comigo: "Viu a manchete que manda a gente esquecer 1964?". E fechou, com sua experiência e sabedoria: "Ora, hoje é dia de lembrar 1964!". A maioria do povo brasileiro não lembrou e elegeu Collor, autêntico "filhote da ditadura".
Sexta-feira, 13 de março de 1964. O presidente João Goulart anuncia as reformas de base no comício da Central do Brasil. Quinta-feira, 19 de março de 1964. A família marcha com Deus pela liberdade. Terça-feira, 31 de março de 1964. Os militares dão início à deposição do presidente João Goulart.
Revolução Democrática de 1964. Revolução de 31 de Março. Oficialmente, os nomes eram esses. Ainda tem gente que usa a palavra Revolução. Não faz tanto tempo, Aécio Neves usou, desonrando a memória de Tancredo. Mas está errado. Golpe militar. O que houve foi um golpe militar. A Globo, que apoiou o golpe, usa golpe.
A deposição de Jango deu início a uma ditadura militar que durou 21 anos e teve cinco generais presidentes. O endurecimento do regime, em 1968, escureceu ainda mais essa longa noite brasileira. Houve censura, perseguições, exílios, supressão das liberdades, tortura, desaparecimentos e mortes.
Daqui a 10 dias, no Domingo de Páscoa, será 31 de março de 2024. 60 anos do golpe de 1964. A efeméride coincide com o momento em que o noticiário dá conta de que, faz pouco mais de um ano, o Brasil esteve à beira de um golpe sonhado pelo então presidente Jair Bolsonaro.
Durante muitos anos, dentro dos quartéis, 31 de março era o dia de comemorar as conquistas daquele 31 de março de 1964. A "Revolução", equivocadamente, era tratada como um evento democratico, um episódio histórico de fortalecimento da democracia brasileira.
O golpe de 1964 e a ditadura militar não podem ser esquecidos, jamais podem ser comemorados. Nos quartéis, felizmente, não há mais comemoração. Fora dos quartéis, no mundo civil, no entanto, é imprescindível manter viva a memória do golpe e da ditadura como coisas que não devem se repetir.
2024. 60 anos do golpe. Uma data redonda. O ministro Sílvio Almeida, dos Direitos Humanos, estava preparando uma agenda. O presidente Lula (Foto/Reprodução/Ricardo Stuckert) mandou suspender. Não quer, dentro do governo, manifestações que rememorem negativamente o golpe de 1964.
Como se diz popularmente, Lula pinou. Será defendido por aqueles que sempre encontram explicações para tudo o que o líder diz e faz. Mas é triste ver Lula agir assim. Um homem com a sua biografia não pode se acovardar diante de um fato histórico e da necessidade de que este seja lembrado.
Os militares não gostam de Lula. Os militares engolem Lula porque não há outro jeito. Mas o presidente não pode ser refém deles em nome de uma conciliação que nunca vai ocorrer de verdade. O presidente foi eleito por 60 milhões de brasileiros, é o comandante das Forças Armadas, e, a ele, estas devem obediência.
Sílvio Almeia fica calado porque, como ministro, tem que cumprir as ordens do chefe. Mas o chefe pisou na bola, tem medo, e a sociedade civil, as instituições democráticas, os movimentos sociais - ninguém deve achar que 31 de março de 2024 é dia de esquecer 1964. 31 de março de 2024 é dia de lembrar 1964.
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