SILVIO OSIAS
Perdas geracionais, como a de Zé Carlos, botam a gente de cara com a morte
Publicado em 30/04/2024 às 7:24
José Carlos dos Anjos (Foto/Reprodução) morreu nesta segunda-feira, 29 de abril de 2024. O jornalista de 62 anos estava no Hospital Napoleão Laureano. Vinha de um tratamento oncológco que se estendeu por alguns anos, desde que descobriu um câncer no intestino.
Para mim, era Zé Carlos. Para a maioria, era Zeca. Quando nos conhecemos, éramos muito jovens. Foi na redação de A União, ali na João Amorim, na virada da década de 1970 para a de 1980, sob a editoria de Agnaldo Almeida. Eu tinha 20 anos. Zé Carlos mal passara dos 18.
Meu negócio era uma coluna de crítica de cinema e, por extensão, as coisas todas do segundo caderno. Carlos Aranha estava por perto e, com pouco mais de 30, já tinha o status de mestre. O negócio de Zé Carlos era a reportagem, da redação para as ruas, das ruas para a redação.
No início do expediente, recebia a pauta, pegava o carro do jornal e saía em busca da notícia. Mais tarde, quando voltava, missão cumprida, cheio de anotações, botava o papel na máquina e, antes de redigir, datilografava lá em cima: J. Carlos/Geral.
Zé Carlos era um jovem jornalista, jovem e promissor. Gostava da notícia, da informação correta, se identificava com a reportagem. Filho de jornalista, não se valia disso para conquistar espaço nas redações. Se valia do talento que tinha.
Zé Carlos foi um amigo da juventude. Tínhamos uma afinidade, além do jornalismo: a música. Mais especificamente, o rock. Frequentei a casa onde morava com o pai, a mãe e as irmãs, no conjunto dos jornalistas, no Castelo Branco. No seu quarto, um "som" bacana proporcionava grandes audições.
Zé Carlos era do impresso. Aprendeu dentro das redações dos jornais impressos. O texto enxuto e objetivo do repórter de rua, nunca perdeu. Mas a ele acrescentou o que foi aprendendo no exercício cotidiano do jornalismo, aprendizado que o credenciou ao domínio pleno do nosso ofício.
O tempo nos afastou. Mudamos de redação. Fui fazer televisão, ele permaneceu no impresso. Tentei levá-lo para a TV Cabo Branco. Ele não quis sair do Correio. Quando nos reencontramos, no início de 2011, eu chegava à TV Correio. Ele seguia no Correio da Paraíba, o impresso.
Àquela altura, Walter Galvão comandava o jornal. Na hierarquia da redação, Zé Carlos e Gilberto Lopes dividiam o segundo posto. Zé Carlos sabia tudo. Mais de 30 anos nos distanciavam de A União da João Amorim, e o cara adquirira uma experiência singular como homem do impresso por excelência.
Fui breve na TV Correio. Zé Carlos ficou no jornal. Estive com ele pela última vez no show de Geraldo Vandré, em 2018. Depois soube do câncer. A foto que ilustra a coluna é uma self tirada num dos corredores do Hospital Napoleão Laureano, onde fazia seu tratamento.
Nelma Figueiredo, Walter Galvão, Gil Sabino, Juca Pontes, Ricardo Anísio, Wellington Fodinha. Agora, José Carlos dos Anjos. Zé Carlos. Zeca. Todas elas, perdas geracionais. As perdas geracionais são muito dolorosas. Botam a gente de cara com a morte. A nossa morte.
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