SILVIO OSIAS
Os títulos são ruins, mas os livros são muito bons
Bob Dylan escreve sobre música. Quentin Tarantino escreve sobre cinema.
Publicado em 29/05/2024 às 8:28 | Atualizado em 29/05/2024 às 15:06
Reservo a coluna desta quarta-feira, 29 de maio de 2024, véspera de Corpus Christi, para duas sugestões de leitura. Um livro é sobre música. O outro é sobre cinema. Um foi escrito por Bob Dylan. O outro, por Quentin Tarantino.
Começo por Quentin Tarantino. Aos 61 anos, esse grande cineasta, um dos maiores do mundo, anda dizendo que vai parar de fazer filmes para fazer livros. Se será uma boa troca, só o tempo dirá.
Mas uma coisa é verdade: se prestarmos atenção nos diálogos que Tarantino escreve para seus filmes, veremos que o cara sabe escrever. E como sabe!
No momento, Tarantino está às voltas com o planejamento daquele que deverá ser seu último filme. Décimo (considerando as duas parte de Kill Bill como um só filme) e último. Estava trabalhando num projeto chamado The Movie Critic, mas desistiu.
Em 2019, Tarantino lançou Era Uma Vez em Hollywood, seu nono filme. Em seguida, transformou o filme em livro. Com feição de pulp fiction, saiu no Brasil pela Intrínseca, a mesma editora que há pouco botou no mercado nacional Especulações Cinematográficas.
Especulações Cinematográficas pode ser visto como um volume de crítica de cinema. Tem algo disso. Mas seria mais adequado dizer que reúne textos da memória afetiva de Tarantino como cinéfilo. Ele escreve sobre filmes que lhe marcaram, e as escolhas têm algo em comum: não são nada óbvias.
Especulações Cinematográficas é para quem gosta de cinema, de crítica de cinema e do cinema de Quentin Tarantino. É muito bem escrito e de saborosíssima leitura.
De Quentin Tarantino para Bob Dylan. O grande compositor popular, o maior e mais importante das últimas seis décadas nos Estados Unidos, acabou de completar 83 anos. O aniversário foi na sexta-feira passada, 24 de maio.
Dylan está sempre em turnê. É a Never Ending Tour. A turnê que não tem fim - podemos traduzir assim. Lançado há um ano, seu álbum mais recente se chama Shadow Kingdom. Traz releituras muito interessantes de clássicos do seu repertório.
Em 2020, em plena pandemia, lançara Rough and Rowdy Ways, um álbum de canções inéditas. Uma delas - Murder Most Foul - se estende por quase 20 minutos e é um épico sobre o tempo de Dylan visto poeticamente por Dylan.
Bob Dylan é festejado desde sempre como grande letrista. Para espanto de muitos do mundo acadêmico, Bob Dylan é Nobel de Literatura. Natural que escreva livros. Há Cronicles, Volume One,publicado em 2004 como primeiro de três livros de memórias. Os outros dois não foram lançados.
Agora, depois do Nobel conquistado em 2016, Dylan está de volta aos livros com A Filosofia da Música Moderna, lançado no Brasil pela Companhia Das Letras. É uma reunião de ensaios que escreveu sobre canções do seu tempo.
Os textos de Dylan são muito pessoais, subjetivos, singulares e, sobretudo, brilhantes. Enriquece os que, como ouvintes de música popular, se debruçaram de verdade sobre o extraordinário cancioneiro que produz desde o início da década de 1960.
As escolhas de Dylan nesses ensaios não têm nada de óbvias. São tão pouco óbvias que poderão surpreender o leitor. Em A Filosofia da Música Moderna, Dylan priorizou o lado B. Como Tarantino nos filmes elencados em Especulações Cinematográficas. O gosto pelo lado B pode, então, aproximar o livro de Dylan do de Tarantino.
Especulações Cinematográficas. A Filosofia da Música Moderna. Os títulos são ruins porque são pouco atraentes. Mas os dois livros são muito bons.
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