VIDA URBANA
Pior seca dos últimos anos intensifica a migração no Estado
PB é uma dos lugares mais castigados pela estiagem, prolongada pelo 4º ano seguido. Neste período, 200 mil paraibanos saíram do campo para a cidade.
Publicado em 13/12/2015 às 8:00
O lugar que antes era um lar, e onde provavelmente houve felicidade e esperança em dias melhores, hoje está tomado por uma vegetação seca, morta e enraizada num solo árido. Talvez ali, em algum tempo, pode-se dizer que ‘se plantando tudo dá’, mas hoje, esse mesmo solo, essa mesma casa abandonada, são o reflexo do sofrimento que devasta nosso Sertão, nosso Cariri, nosso povo. É o reflexo de uma seca, a pior dos últimos 40 anos, que tem feito com que muitas famílias abandonem seus locais de origem, fugindo da miséria e da falta de perspectivas de vida.
Na Paraíba, um dos estados do Nordeste mais castigados pela estiagem, que já se prolonga pelo quarto ano seguido, mais de 200 mil pessoas tiveram um roteiro semelhante. Conforme o último Censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, a população rural do Estado era de 927.850 habitantes, número que declinou para 726 mil até o ano passado (2014), uma diminuição de 21,7% e que, conforme o órgão, pode ter na seca a sua principal motivação. Já a população urbana da Paraíba teve um aumento de 383.322 pessoas nesse mesmo período.
Para o supervisor de disseminação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Paraíba, Jorge Souza Alves, a conjunção de alguns fatores, dentre eles a migração rural-urbana dentro do próprio Estado podem justificar essa diminuição.
“Em décadas anteriores havia a migração para o Sudeste, mas hoje isso é bem menor. As pessoas estão migrando para cidades de grande e médio porte, como Campina Grande e João Pessoa, ou áreas polarizadas por esses municípios. A incorporação de áreas que antes eram consideradas rurais e agora são urbanas também é um apontamento das pesquisas domiciliares”, explicou.
Dona Luzia, que vive com o marido e um neto, é uma família entre tantas outras que tiveram que abandonar seus lares porque a seca minou o sustento da família. Em mais de 54 anos dedicados ao campo, a agricultora de Tenório, na cidade de Juazeirinho, Cariri do Estado, conta que resistiu enquanto deu, mas que decidiu ceder ao pedido da filha mais velha, Lourdes Gonçalo, para morar com ela em Campina Grande. “Meu marido é aposentado, mas o dinheiro dele mal dá pra comprar os remédios e a feira, que é tudo caro. Aí minha filha ficava preocupada da gente passar fome porque a terra não dá mais feijão, não tem como plantar mais nada, então foi o jeito vir pra cá”, contou, ao ressaltar a sua vontade de retornar para casa “depois que os tempos melhorarem”.
E se os tempos não melhorarem, a situação vai ficar ainda mais complicada, comentou o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Paraíba (Fetag-PB), Liberalino Ferreira de Lucena. “A grande preocupação, a nossa pergunta é essa. Se não chover, como vai ficar? Do Alto Sertão até Campina Grande não há um lugar para buscar água. Esse ano, o Sertão, Cariri e Curimataú não teve produção alguma. Os animais estão definhando, as plantações não existem mais. Por isso as pessoas estão indo embora desses locais. Quem tem cisterna usa a água para beber, não é pra plantar, criar animais. Desse jeito, o campo não oferece condições de vida”, afirmou o presidente.
Saiba mais
Em toda a Paraíba, pelo menos 138 cidades são afetadas pela seca, uma população de cerca de 2 milhões de pessoas, que convivem com severos racionamentos ou mesmo com a indisponibilidade total de água. Dos 223 municípios do Estado, 91 estão em racionamento, 22 em colapso e 25 em estado de alerta, de acordo com dados da Companhia Paraibana de Água e Esgotos (Cagepa).
Nos últimos quatro anos, os reservatórios do Estado recuaram de 57% da capacidade, para 20%, conforme o diagnóstico do Ministério da Integração. Em virtude disso, 197, dos 223 municípios paraibanos já decretaram situação de emergência.
Migração gera desequilíbrio
Mesmo que a saída do interior para cidades maiores sempre tenha sido um movimento natural do paraibano, o presidente da Federação das Associações de Municípios da Paraíba (Famup), Tota Guedes, comenta que essa tendência havia se estabilizado.
“Esse quadro tinha diminuído bastante, porque os programas sociais do governo ajudaram a fixar as pessoas no campo. No entanto, a crise hídrica afetou o Estado de tal forma que muitas famílias não conseguem mais ter o seu próprio sustento, e por isso, têm abandonado suas atividades agrícolas e novamente migram para cidades maiores em busca de condições”, comentou.
Essa migração, conforme Guedes, tem mudado a paisagem de várias localidades. “Você vê zonas rurais menos habitadas, o que gera um grande deserto. A área urbana da cidade também perde com essa migração”, avaliou.
Ainda segundo o presidente da Famup, se nas cidades de origem dessas pessoas há problemas, nos municípios de destino a situação não é diferente. Sem conseguir inserção no mercado de trabalho dessas cidades, os jovens que chegam começam a dar corpo a problemas de economia paralela, agravando a pobreza, o tráfico de drogas e a marginalização, por exemplo.
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