icon search
icon search
home icon Home > cultura > silvio osias
compartilhar no whatsapp compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin copiar link deste artigo
Compartilhe o artigo
compartilhar no whatsapp compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin copiar link deste artigo
compartilhar artigo

SILVIO OSIAS

Carlos Aranha, fotografei você na minha Rolley-Flex!

Perfil escrito em agosto de 2024 para o sexto volume da série Paraíba na Literatura, de A União.

Publicado em 13/02/2025 às 8:42


				
					Carlos Aranha, fotografei você na minha Rolley-Flex!
Foto/Reprodução.

O sexto volume da série Paraíba na Literatura, de A União, foi lançado nesta quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025. A convite de Naná Garcez, diretora presidente da Empresa Paraibana de Comunicação, fiz o perfil de Carlos Aranha. Segue o texto.

Enquanto escrevo este perfil de Carlos Aranha, vejo nas redes sociais uma foto e um vídeo recentes dele. Estamos em agosto de 2024, e Aranha, 78 anos completados em março, vive numa casa de idosos.

No vídeo, um dos visitantes canta Sociedade dos Poetas Putos, e Aranha, lembrando dos versos, canta um pouco. Sociedade dos Poetas Putos, que ele compôs e gravou no início da década de 1990, fala de um grande dilema da sua vida: ser jornalista ou ser compositor de música popular?

Antes de conhecer Carlos Aranha pessoalmente, ouvi a sua voz. Não a do compositor, mas a do jornalista. O ano era 1969, e ele, aos 23 anos, atuava na Correio AM, emissora de rádio que o político Teotônio Neto colocou no ar, em João Pessoa, no final de 1968.

Aranha apresentava, todas as tardes, um programa chamado Yes, Nós Temos. À noite, lá pelas 10, voltava à bancada para participar do Diário Íntimo da Cidade. Foi ouvindo este programa que tomei conhecimento da “morte” de Paul McCartney – uma lenda que, até hoje, é lembrada pelos admiradores dos Beatles.

A “morte” de Paul McCartney foi inventada por um DJ americano e virou notícia no mundo inteiro. Uma das “provas” estava numa canção dos Beatles: rodada de trás pra frente, A Day in the Life reproduzia os sons do acidente fatal.

Aranha contou essa história, botou A Day in the Life no ar e me fez perder o sono. Eu, um menino de 10 anos que já amava os Beatles. A gravação que Aranha colocou no Diário Íntimo da Cidade ficou tecnicamente imperfeita.

Meu pai resolveu fazer melhor, levou a fita para Aranha colocar no programa, e foi na noite de 17 de dezembro de 1969 que estive com ele pela primeira vez. Guardei a data porque foi o dia da morte do ex-presidente Costa e Silva.

Em 1969, Carlos Aranha já passara pelo movimento estudantil e partira para o Rio de Janeiro para escapar da repressão do regime militar em João Pessoa. Queria ser jornalista, cineasta e compositor de música popular e, em 16 milímetros, tentara realizar o curta Libertação, que ficou inacabado.

Em 1968, foi um dos signatários do manifesto nordestino de adesão ao movimento tropicalista, então capitaneado por Caetano Veloso e Gilberto Gil. O intelectual pernambucano Jomard Muniz de Britto, preso em 1964 por trabalhar com Paulo Freire, estava à frente do grupo que, no Recife, em João Pessoa e em Natal, aderiu ao tropicalismo.

O manifesto se chamava Inventário de um feudalismo cultural nordestino e recebeu as assinaturas de Caetano Veloso e Gilberto Gil durante uma passagem deles pelo Recife.

Na virada da década de 1960 para a de 1970, Carlos Aranha participou dos festivais de música realizados na Paraíba, e pelo menos três músicas que compôs e defendeu remetem àqueles eventos: Gira Mulher, Ivone Pelo Telefone e Objeto de Utilidade Pública.

Em Objeto de Utilidade Pública, teve a improvável parceria do jornalista João Manoel de Carvalho. Aranha fez a melodia, João Manoel fez a letra.

Também é daquele momento o seu envolvimento com o teatro. Como diretor, foi responsável por um grande sucesso: a montagem do monólogo Diário de Um Louco, do russo Nicolai Gogol. No palco, em atuação magistral, estava o ator Anco Márcio.

Em 1972, Aranha transformou em texto teatral o livro O Vigarista Jorge, de Jorge Mautner. No elenco, havia um garoto, e, aos 13 anos, fui convidado para o papel. A direção seria de Carmélio Reinaldo, jovem jornalista que, mais tarde, ingressaria na academia como professor do curso de Comunicação Social.

O Vigarista Jorge não saiu do papel. Guardei o original até que, em 1975, Aranha pediu que fosse rasgado.

Em 1971, Aranha promoveu o Fenav – Festival Nacional de Vanguarda. Na primeira eliminatória, no palco do Teatro Santa Roza, celebrou seu casamento com a professora Cléa Macedo. Tocou guitarra e cantou uma música que os jornais consideraram erótica: Você quebrou o fecho-éclair da minha calça e agora com que roupa eu vou dormir?.

Aranha anunciava que traria Caetano Veloso para a final do Fenav. Caetano estava exilado em Londres depois de ser preso pela ditadura militar. O festival, que revelava gente nova na música paraibana, como Pedro Osmar, não chegou à sua etapa final.

Aranha foi parceiro de Zé Ramalho num show chamado Ramaranha. Depois de ser guitarrista do grupo Os Quatro Loucos, Zé despontava como compositor na João Pessoa do início dos anos 1970.

Mas talvez o ponto alto da atuação de Aranha como autor de música popular tenha se dado em 1974, quando apresentou, no Teatro Santa Roza, o show Puxa Puxa – Música Contemporânea na Cidade de João Pessoa. Montou uma grande banda e mostrou ao vivo as músicas da sua parceria com o compositor Cleodato Porto.

Em 1980, com o frevo Rebola e Dança, foi o vencedor do festival de música carnavalesca que era anualmente promovido pela Prefeitura de João Pessoa. Venceu com uma performance à base apenas de voz e três violões.

Carlos Aranha nunca deixou de sonhar com uma carreira na música popular. Muitas vezes, preferiu ser chamado de compositor e não de jornalista. Mas foi no jornalismo que atuou com mais regularidade.

Tinha um excelente texto e pensava o ofício com uma inteligência singular. Eu mal passara dos 20 anos quando tive Aranha como companheiro de redação em A União, no final dos anos 1970, época em que o jornal era editado por Agnaldo Almeida e dirigido por Gonzaga Rodrigues.

Aranha dominava todas as editorias, mas o seu negócio era a cultura – o segundo caderno e o Jornal de Domingo, caderno especial que circulava semanalmente.

Fazia crítica de cinema desde os anos 1960 e era membro da Associação dos Críticos Cinematográficos da Paraíba, a ACCP.

Foi presidente da Associação Paraibana de Imprensa, vencendo a eleição com o slogan “A ideia é outra”, e, na API, em 1984, comandou o comitê suprapartidário de apoio à campanha das Diretas Já.

Jornalista. Compositor de música popular. Cineasta. Homem de teatro. Há um outro capítulo importante na vida de Carlos Antônio Aranha de Macêdo, nascido em João Pessoa no dia 18 de março de 1946: o de produtor de shows.

Entre a segunda metade dos anos 1970 e a primeira da década de 1980, Aranha produziu localmente shows de alguns dos mais importantes nomes da música popular brasileira. Graça às suas produções, vimos ao vivo de Gilberto Gil a Gonzaguinha, de Caetano Veloso a Ivan Lins, de Jorge Mautner a Jards Macalé, de Simone a Ney Matogrosso, de Elis Regina ao MPB4, de Alceu Valença a Paulinho da Viola.

Enquanto produzia shows e tentava se firmar como compositor, Carlos Aranha atuava nas redações. Passou por A União, por O Norte, O Momento e pelo Correio da Paraíba. Por muitos anos, assinou a coluna Essas Coisas, na qual escrevia tanto sobre cultura quanto sobre política.

Foi fundador, na Paraíba, do Partido dos Trabalhadores. Em 1994, rompido com o PT, atuou na campanha de Fernando Henrique Cardoso para presidente da República.

Em 2011, publicou um livro de poesia – Nós, an Insight – e se elegeu para a Academia Paraibana de Letras, onde ocupa a cadeira de número 29. Havia, afinal, um tropicalista nos quadros da APL.

Costumava ensaiar uma reentrada no cenário da música popular, e uma dessas tentativas foi no show Conversas em Torno do Busto de Augusto, cuja direção musical foi entregue ao maestro Chiquito.

Em 1990, inspirado no título do filme Sociedade dos Poetas Mortos, Aranha compôs uma canção chamada Sociedade dos Poetas Putos. A música foi gravada num EP com arranjo e direção musical de Osman Gioia, à época, regente da Orquestra Sinfônica Jovem da Paraíba.

O primeiro verso de Sociedade dos Poetas Putos diz assim: “Quando me faltou a sensação de jornalista, senti não ser um bruxo nem David Copperfield”.

Fala, de passagem, sobre o dilema que acompanhou Aranha por toda a vida, a escolha entre ser jornalista ou ser compositor. O jornalista se sobrepôs ao compositor, mesmo que este não fosse o seu desejo. O jornalista foi permanente. O compositor, bissexto.

Nos últimos anos, os problemas de saúde acabaram por afastar Aranha do exercício profissional. Em seu último vínculo, assinou a coluna diária Essas Coisas em A União. Filho de Sebastião e Antonieta, pai de Alessandra, Carlos Aranha é, entre nós, um intelectual marcante de sua geração.

Ousado, provocador, transgressor, viveu intensamente os sonhos de quem foi jovem nos turbulentos anos 1960 e se fez figura imprescindível na cena cultural paraibana das últimas décadas.

João Pessoa, agosto de 2024.

PS: Carlos Aranha morreu dormindo no dia 11 de novembro de 2024.

Foto/Reprodução

Silvio Osias

Tags

Comentários

Leia Também

  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
    compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp