VIDA URBANA
Dobra número de adolescentes e jovens envolvidos com o crime na Paraíba
Em 2011, 320 cumpriam medidas socioeducativas na Paraíba e este ano passou para 675.
Publicado em 04/10/2015 às 7:01
No caminho para o trabalho, a estagiária Thaís Fernandes, de 22 anos, foi abordada por dois adolescentes, que a ameaçaram com uma faca e levaram sua bolsa contendo celular e objetos pessoais. A mesma dupla foi reincidente em outros assaltos na área central de Campina Grande e, por conta disso, os menores de idade passaram a integrar uma estatística que cresce de forma preocupante na Paraíba: a de adolescentes em conflito com a lei. Esse índice dobrou no Estado nos últimos quatro anos. Em 2011, 320 jovens entre 12 e 21 anos cumpriam medidas socioeducativas na Paraíba, número que passou para 675 até o último mês, o que corresponde a um crescimento de 110%.
Os dados são da Fundação Assistencial da Criança e do Adolescente (Fundac), que também traça um panorama dos atos infracionais cometidos por esses jovens. Mais de 35% do total, 247 infratores, cumprem medida por roubo, que engloba ainda assaltos e o roubo qualificado. A infração vem seguida de homicídio e homicídio qualificado, ato cometido por 132 jovens. Já o tráfico reflete a terceira maior causa de internação de jovens no Estado, com 95 adolescentes cumprindo medidas socioeducativas por terem cometido este tipo de infração.
Uma das principais causas que levam os adolescentes a se envolverem com o mundo do crime é o sentimento de impunidade, segundo a delegada da Infância e Juventude Nercília Dantas. Ela explica que é dominante entre os adolescentes infratores a sensação de que eles não vão ser responsabilizados pelos delitos que cometem. “É comum ouvirmos no discurso dos adolescentes apreendidos em flagrante que eles não esperam por nenhuma retaliação e esse mesmo discurso está presente na fala dos pais. A espera pela impunidade é tão grande que quando isso não acontece é um choque para toda família. Isso já faz parte da mentalidade deles”, ressaltou.
Ainda conforme a delegada, a forma branda como a impunidade é tratada é um dos fatores que mais contribuem para o aliciamento de adolescentes na prática criminosa. “O que acontece muito quando se trata de uma ação que envolve adolescentes e adultos é que o menor de idade assume sozinho a responsabilidade pelo crime e outros dizem apenas terem tido uma pequena participação nele. Mas sabemos que na realidade não foi dessa maneira, pois no decorrer do inquérito fica provado que o adolescente foi aliciado. Essa já é uma prática comum, mas não significa dizer que o menor de idade não responderá pelo crime que cometeu”, explicou.
Já para a coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude, Soraya Escorel, a ausência de políticas públicas voltadas à educação e ao monitoramento desses jovens, além do consumo de drogas, sobretudo o crack, são os fatores que têm contribuído para o aumento do número de adolescentes em conflito com a lei. “A incidência também está diretamente ligada à evasão escolar e às deficiências estruturais das famílias”, pontuou.
Estado é 3º no NE em déficit de vagas
Embora o número de adolescentes em conflito com a lei esteja crescendo na Paraíba, o Estado possui apenas oito unidades para medidas socioeducativas, a mesma quantidade desde 2011, com base nos dados da Fundação Assistencial da Criança e do Adolescente (Fundac). As unidades são na região de João Pessoa, Campina Grande e Sousa.
Outro fator preocupante é que segundo o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), essas instituições têm capacidade para atender somente 223 pessoas, mas conforme a Fundac há 675 internos nesses locais, gerando um déficit de 452 vagas na Paraíba.
Em comparação com os demais estados do Nordeste, a Paraíba é o terceiro no ranking com maior déficit, ainda de acordo com o (CNMP). Para a coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude, Soraya Escorel, “não há investimento e preocupação com ressocialização desses jovens. Esses menores começam a praticar uma infração pequena e cumprem a medida no mesmo local de alguém que cometeu um ato violento. Surge uma inversão. É uma das fragilidades desse sistema”.
A coordenadora avaliou também que a falta de políticas e ações em cada município é o que vem causando esse aumento da população das unidades socioeducativas na Paraíba. “O pequeno infrator, que comete um ato sem maiores proporções, sem grave violência ou ameaça, tem que ter um espaço de ressocialização no seu próprio município, mas a dificuldade em se estabelecer esses locais, faz com que esse jovem seja levado às unidades. Sempre escutamos que falta colchão e condições adequadas. Há também denúncias acerca do tratamento dado a esses internos”, destacou.
Por conta desses problemas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendou, desde 2011, a construção de novas unidades socioeducativas, especialmente na capital e em Campina Grande, além da desativação do CEA (João Pessoa) e do Abrigo Provisório Hamilton de Sousa Neves, em Campina Grande, que segundo o órgão, não apresentavam condições mínimas de atendimento aos adolescentes.
Sem resposta
A equipe do JORNAL DA PARAÍBA procurou a presidência da Fundac duas semanas antes da matéria ser publicada para que ela se pronunciasse sobre como o Estado tem feito para abrigar os adolescentes em conflito com a lei e as providências que foram adotadas ao longo desses quatro anos para tentar solucionar as dificuldades do sistema, mas até o fechamento dessa edição não obtivemos nenhuma resposta.
João Pessoa e CG têm mais infratores
Os adolescentes que estão cumprindo pena nas unidades de internação da Paraíba atualmente são de 55 municípios do Estado, e João Pessoa se destaca como a cidade de origem da maioria deles, com 219 internos. Campina Grande vem em seguida com 107 jovens, e em terceiro lugar está a cidade de Patos, no Sertão paraibano, com 32. Os números são da Fundação Assistencial da Criança e do Adolescente (Fundac).
Segundo a Federação das Associações de Municípios da Paraíba (Famup), as cidades paraibanas enfrentam muitos desafios para adotar medidas que afastem a juventude da criminalidade, sobretudo nos maiores centros urbanos. No entanto, o presidente da Associação, Tota Guedes, afirma que há um esforço desses municípios em conseguirem recursos para criarem polícias públicas de enfrentamento a essa questão.
O presidente aponta que os municípios deveriam trabalhar em conjunto com as outras instâncias, a fim de buscarem uma resposta rápida para o problema. “Deveria ser trabalhada mais a questão educacional e familiar entre os poderes Executivo e Legislativo, buscando parcerias até mesmo com a Igreja para unir forças nesse combate, com um acompanhamento mais efetivo dessas ações para reduzir a criminalidade entre os adolescentes”, comentou.
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