SILVIO OSIAS
Joan Baez pegou nas minhas mãos, e eu estava de joelhos diante dela
Musa da canção de protesto nos anos 1960, a cantora é personagem do filme sobre Bob Dylan.
Publicado em 05/03/2025 às 9:55

Fui duas vezes ao cinema ver Um Completo Desconhecido, esse belo filme que dá conta do que ocorreu com Bob Dylan entre 1961 e 1965. De quando, aos 20 anos, como a complete unknow, ele chegou a Nova York ao dia em que, já famoso, rompeu com a tradição folk empunhando uma guitarra elétrica no Festival de Newport.
Comecei a ouvir Bob Dylan através do beatle George Harrison. All Things Must Pass, 1970. I'd Have You Anytime, que abre o primeiro dos três discos, é parceria de George com Bob. E If Not For You, que está no lado B ainda do primeiro disco, é só Dylan.
Mais de 100 álbuns de Bob Dylan ocupam lugar de destaque na minha coleção de discos, mas a coluna desta quarta-feira de cinzas, 05 de março de 2025, não é sobre ele, mas sobre Joan Baez, que é personagem importante no filme Um Completo Desconhecido.
Joan Baez já era famosa quando Bob Dylan ainda era um completo desconhecido na cena folk de Nova York. Ficaram amigos, namoraram, romperam, e ela, musa da canção de protesto dos anos 1960, foi - ainda é - uma das grandes intérpretes do cancioneiro dele.

“Cantei essa música em Woodstock, cantei em Washington para Martin Luther King, cantei ao redor do mundo. Agora, canto para vocês”.
Foi o que Joan Baez disse antes de fazer Swing Low, Sweet Chariot para a plateia do teatro do shopping Riomar, no Recife. Era uma sexta-feira, 28 de março de 2014.
A fala trouxe a cantora e sua história para junto de nós numa noite mágica e inesquecível. Não mais à capela, como em Woodstock, mas com voz e violão, o spiritual pode resumir o que é ver Joan Baez de perto. Grandeza e absoluta simplicidade. A sua dimensão projetada ali num concerto de pouco mais de uma hora.
A voz de soprano, já com registros menos agudos, mas igualmente bela. O violão com suas cordas de aço e uma sonoridade muito familiar. A mesma que ouvimos através das décadas do nosso tempo. E continuamos a ouvir. Depois de todos esses anos.
Vi Joan Baez a três dias da data em que o golpe de 64 completaria meio século. A coincidência teve uma força simbólica. Joan Baez é parte dos sonhos e das ideias generosas de uma geração. A impossibilidade de realizá-los tornou ainda mais bonito o seu recital. Uma evocação. Nostálgica, sim. Melancólica, por que não?
Joan Baez, sua voz, seu violão, dois músicos, 21 canções. Dos spirituals dos pretos e pretas da América ao Geraldo Vandré de Caminhando ou ao nosso Cálice, que os censores impediram Chico Buarque e Gilberto Gil de cantar em 1973.
De Bob Dylan a John Lennon. Do folk de lá ao folk de cá, em Muié Rendeira. Mais a latinidade de Gracias a la Vida, que remete a Violeta Parra, Mercedes Sosa e Elis Regina.
Fiz com Joan Baez o que nunca havia feito em tantos anos de amor à música e de muitos shows ao vivo. Na reta final do programa, corri para a beira do palco e, de joelhos, me pus a fotografá-la com o celular.
Olhei nos olhos dela, contemplei bem de perto as expressões do seu rosto e os movimentos da sua boca em Imagine e Blowin’ in the Wind. Também no spiritual Amazing Grace, feito à capela com as vozes de uma plateia emocionada.
Fui recompensado. Nos poucos minutos que separam o término do programa do bis, depois de abraçar um rapaz ao meu lado e de ouvir um “quero também” no meu Inglês precário, ela estendeu as duas mãos e apertou as minhas com força.
Quando as soltou, olhou para mim, sorrimos, e ela repetiu o gesto. Entre um aperto e outro, a foto sem qualidade que tirei com o celular tenta eternizar o momento.
Mãos quentes e firmes. As dela. As minhas estavam geladas. “I don’t believe it!” - foi tudo o que consegui dizer, antes de pedir uma canção de Dylan que ela, prontamente, cantou.
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