SILVIO OSIAS
Totalmente conhecido é como Bob Dylan fica depois de um livro e um filme
A biografia e o documentário têm o mesmo título: No Direction Home.
Publicado em 06/03/2025 às 8:40

Fui ver Um Completo Desconhecido pela terceira vez, totalmente fascinado por esse filme sobre os anos iniciais de Bob Dylan, e, nesta quinta-feira, 06 de março de 2025, trago aqui na coluna alguma coisa sobre uma biografia e um documentário que se debruçam sobre a trajetória do bardo judeu de Minnesota.
A leitura da biografia No Direction Home (A Vida e a Música de Bob Dylan, Larousse) confirma o quanto Bob Dylan é grande. A estreia, em 1962, revelava um artista de voz nasal fortemente voltado para o folk, que se acompanhava ao violão e usava uma gaita de boca presa numa armação metálica perto do pescoço.
Em 1963, o biografado de Robert Shelton já mostrava que veio para ficar, cantando uma canção de protesto que faria história: Blowin’ in the Wind. Os versos continuam belos, e a melodia ainda lhe pega na primeira audição. O autor não consegue livrar-se dela, mas sabe que a sua eficácia contestatória foi substituída pela melancólica evocação de um tempo que não volta mais.
Judeu, nascido em Minnesota em 24 de maio de 1941, Robert Allen Zimmerman é, nos Estados Unidos, o maior compositor popular de sua geração. E o mais influente. Até os Beatles foram influenciados por ele. Quando John Lennon trocou as letras ingênuas da beatlemania por versos que falavam das suas dores, o fez por causa de Bob Dylan.
As marcas principais do que Bob Dylan criou estão nos primeiros anos da sua trajetória. O artista que ouvimos no início da carreira une a tradição folk à canção de protesto. E, logo em seguida, rompe com as duas. Abandona o acústico e adota o elétrico e abre mão do discurso engajado para falar de si próprio. Se quisermos sintetizar assim a sua produção, já teremos um retrato fidelíssimo do que ele é.
Ao se debruçar sobre Bob Dylan no documentário No Direction Home, Martin Scorsese não passou de 1966, convencido de que contaria muito bem a história do artista ficando no passado. É ali que localizamos o essencial, embora tenhamos grandes discos e grandes canções por pelo menos mais uma década e meia.
Depois, aconteceu com ele o que ocorreu com todos os seus contemporâneos: hora de fazer a manutenção da carreira, aprimorar a presença no palco, produzir vigorosos registros ao vivo, gravar bons discos de estúdio de vez em quando, escrever as memórias. Bob Dylan fez tudo isto e hoje, aos 83 anos, se divide entre discos crus com sua voz estragada pelo tempo e uma turnê mundial que nunca termina.
Sete discos nos oferecem o melhor Bob Dylan. De The Freewheelin Bob Dylan (1963) a John Wesley Harding (1968). Entre os dois, temos os essenciais e imprescindíveis álbuns Highway 61 Revisited (1965)e Blonde on Blonde (1966). As questões cruciais do artista e sua obra estão nesse conjunto de discos.
Mas é claro que há muito o que ouvir nos anos seguintes. De New Morning a Desire, de The Basement Tapes a Blood on the Tracks, de Infidels a Oh Mercy. E o duplo gavado ao vivo Before the Flood, em que divide o palco com o grupo The Band, que o acompanhou muitas vezes em estúdios e turnês.
As canções, talvez não seja necessário listá-las. A relação é imensa. As melodias fáceis, as harmonias simples e a extraordinária força poética das letras fazem o artista atravessar o tempo sem que percamos o amor pelo seu cancioneiro.
Bob Dylan correu muitos riscos na sua vida de artista. Os primeiros, quando rompeu com a tradição folk e o engajamento político na América da primeira metade da década de 1960 e trocou o violão com cordas de aço pela guitarra elétrica.
Mas houve outros. De um, ao menos, ninguém esquece: o judeu convertido ao cristianismo na segunda metade dos anos 1970. Na década seguinte, fazendo Jokerman no álbum Infidels, voltou às origens e nunca mais cantou para Jesus.
Assim é Bob Dylan. De cara limpa ou com o rosto todo pintado. Acústico ou elétrico. Engajado ou recolhido aos seus tormentos. Judeu ou cristão. Nobel de Literatura.
O que temos nele é um grande trovador do seu tempo, um verdadeiro gigante. Com a beleza da voz nasal, da guitarra imprecisa e das poderosas imagens poéticas. Faltam respostas, sempre faltarão, mas o vento ainda está soprando ao seu lado.
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