SILVIO OSIAS
"Gonzaguinha levou Geraldo Vandré para o cabaré"
Se estivesse vivo, Luiz Gonzaga Jr. faria 80 anos nesta segunda-feira, 22 de setembro de 2025.
Publicado em 22/09/2025 às 7:10 | Atualizado em 22/09/2025 às 8:22

Vi Gonzaguinha de perto pela primeira vez há 50 anos. Em setembro de 1975, ele estava numa caravana ao lado de Paulinho da Viola, Fagner, Moraes Moreira, Sueli Costa, o flautista Copinha e o power trio formado por Armandinho, Dadi e Gustavo.
A caravana se chamava Setembro, e o grupo viajava num ônibus. Nas cidades por onde passava, exibia filmes de curta-metragem (Passe Livre, Chega de Demanda, Cartola), jogava futebol (o jogador Afonsinho viajava com o grupo) e fazia um show.
Em João Pessoa, o show para um público diminuto foi no ginásio do Sesc, no centro da cidade. Gonzaguinha, 30 anos, se apresentava sozinho ao violão. Era do elenco da Odeon e, ainda longe do sucesso, estava lançando Plano de Voo, seu terceiro álbum.
Nos anos seguintes, Gonzaguinha trouxe a João Pessoa todos os shows dos discos que lançou: Começaria Tudo Outra Vez, Moleque Gonzaguinha, Recado Gonzaguinha, Gonzaguinha da Vida, De Volta ao Começo e A Vida do Viajante (com Luiz Gonzaga).
Vi todos eles. Começaria Tudo Outra Vez, em 1976, ainda tinha o formato de voz e violão. A partir de Moleque Gonzaguinha, em 1977, o artista já trabalhava com banda. Por alguns anos, trabalhou com os mesmos músicos num grupo de altíssimo nível.
Foi no meio desse caminho que Gonzaguinha encontrou o sucesso. Em 1978, no álbum Álibi, Maria Bethânia gravou a versão definitiva de Explode Coração, e o compositor foi capa da Veja. Na foto, ele e o violão, e o título que dizia: Explode Gonzaguinha.
Luiz Gonzaga Jr. se tornou um artista muito popular a partir do álbum Gonzaguinha da Vida (1979), e segurou essa onda até o disco Coisa Mais Maior de Grande (1981). Depois, o sucesso foi fugindo das suas mãos, e ele chegou a ficar sem gravadora.
Estive diversas vezes com Gonzaguinha em suas passagens por João Pessoa. Numa delas, na turnê de Começaria Tudo Outra Vez (1976), viajando numa Kombi azul, foi hóspede de Unhandeijara Lisboa em sua inesquecível Vila 777, em Jaguaribe.
Era amigo de Unhandeijara Lisboa e também de Gil Sabino e Carlos Aranha, que foi produtor local de alguns dos seus shows. Reza a lenda que ele compôs Guerreiro Menino para Gil Sabino, à época, representante da gravadora EMI-Odeon.
Em oposição ao grande talento artístico que ostentava, Gonzaguinha era um sujeito muito pouco simpático, além de arrogante e ressentido. Não conseguia esconder as marcas profundas das circunstâncias nas quais moldou sua personalidade.
Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. era filho biológico de Odaléia, uma cantora da noite do Rio de Janeiro que teve um relacionamento com Luiz Gonzaga no início dos anos 1940, quando este ainda não era o Rei do Baião. Ela morreu prematuramente de tuberculose, e Luiz Gonzaga registrou o menino como filho, mas não o criou.
Luiz Gonzaga entregou Gonzaguinha a um casal que morava no Morro de São Carlos, mas ficou por perto, se responsabilizando materialmente por sua criação. A "mãe" era Dina. O "pai", Papinho. Os dois são citados em É Preciso, a canção mais triste de Gonzaguinha.
Mais tarde, rapaz, Gonzaguinha morou com o pai. Já fazia música. A relação dos dois não era boa e passava, inclusive, por grandes divergências ideológicas: Gonzaguinha era de esquerda, enquanto Luiz Gonzaga nutria simpatia pela ditadura militar.
Acabaram por se entender e fizeram juntos a turnê A Vida do Viajante. O show passou por João Pessoa em 1980, numa noite inesquecível no ginásio do Clube Astrea. Um disco duplo - disponível em CD - traz a íntegra do encontro de Gonzagão e Gonzaguinha.
Luiz Gonzaga sempre foi Luiz Gonzaga. Luiz Gonzaga Jr. era Luiz Gonzaga Jr., mas depois adotou o Gonzaguinha. O diminutivo do filho levou pai a adotar o aumentativo Gonzagão. Gonzagão e Gonzaguinha - foi como caíram na estrada com A Vida do Viajante.
Gonzaguinha foi um dos grandes nomes da música popular brasileira dos anos 1970. Havia Ivan Lins, João Bosco, Luiz Melodia, Moraes Moreira, depois veio Djavan, e todos se somaram a gente da Paraíba (Zé Ramalho), de Pernambuco (Alceu Valença, Geraldo Azevedo) e do Ceará (Belchior, Fagner, Ednardo).
Nessa cena, já brilhavam os artistas projetados nos anos 1960, muitos egressos da era dos festivais, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Milton Nascimento. E cantoras como Elis Regina, Gal Costa, Maria Bethânia e Nara Leão, depois Simone.
Jorge Ben (depois Benjor), outro grande nome daquela época, vinha de antes dos festivais, assim como a dupla imbatível que tínhamos em Roberto e Erasmo Carlos.
Como era rica a música popular brasileira. Como era incrível ser contemporâneo de cada disco e cada show desse elenco. Luiz Gonzaga Jr., o Moleque Gonzaguinha, foi um dos protagonistas dessa cena. E nela brilhou com o talento que exibia naturalmente.
Uma vez, no auge do sucesso de Gonzaguinha, perguntei a Jomard Muniz de Britto, nosso guru nordestino do tropicalismo, o que ele achava do filho de Luiz Gonzaga, e assim ele me respondeu: "Gonzaguinha levou Geraldo Vandré para o cabaré".
Para quem ouviu os dois, a definição de Jomard é autoexplicativa. O Vandré que lutou contra a ditadura era mais duro. O artista engajadíssimo que havia em Gonzaguinha misturava os brados políticos com um jeito bem peculiar de cantar o amor.
Gonzaguinha levou Geraldo Vandré para o cabaré foi o modo singularíssimo, mas muito verdadeiro, que Jomard encontrou para definir o cara que cantava Explode Coração, Grito de Alerta e Sangrando, transitando livremente entre sambas, boleros e baiões.
Mas Gonzaguinha, falando dos mortos e desaparecidos da ditadura, cantava também "memória de um tempo em que lutar por seu direito é um defeito que mata" - verso do medley Amanhã ou Depois/Achados e Perdidos/A Legião dos Esquecidos.
Luiz Gonzaga do Nascimento Jr., Luiz Gonzaga Jr., Gonzaguinha da Vida, Moleque Gonzaguinha. Ou, simplesmente, Gonzaguinha. Ele morreu num acidente de carro, depois de um show, em abril de 1991. Tinha 45 anos. Se estivesse vivo, completaria 80 anos nesta segunda-feira, 22 de setembro de 2025. Há um belo cancioneiro como legado.
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