SILVIO OSIAS
Seu nome é Gal
Se estivesse viva, a cantora faria 80 anos nesta sexta-feira, 26 de setembro de 2025.
Publicado em 26/09/2025 às 8:13

Maria da Graça Penna Burgos Costa. Maria da Graça. Gracinha. Gal Costa. Gal. Se estivesse viva, ela faria 80 anos nesta sexta-feira, 26 de setembro de 2025. Quando morreu, em nove de novembro de 2022, tinha 77 anos e tratava um câncer.
1968. Baby é minha primeira lembrança de Gal Costa. Tinha as cordas de Rogério Duprat, o maestro do tropicalismo, a voz joãogilbertiana de Gal, a melodia e os versos de Caetano Veloso, autor da canção. E "Diana" a se fundir com "baiana".
Que Pena (Jorge Ben), Não Identificado (Caetano), Tuareg (Ben, outra vez), Meu Nome é Gal (Roberto e Erasmo Carlos) vieram com o ano de 1969.
Caetano Veloso e Gilberto Gil haviam sido presos. Estavam confinados em Salvador, iam para o exílio em Londres. Divino Maravilhoso - "É preciso estar atento e forte", dos dois, era o grito de Gal, menos joãogilbertiana, mais rock'n' roll.
A voz dela ficara entre nós como, àquela altura, a voz possível do movimento tropicalista. Hotel das Estrelas - "Dessa janela sozinha, olhar a cidade me acalma" - dizia a canção de Jards Macalé no disco de 1970.
E, assim, Gal foi montando uma das trilhas mais bonitas das nossas vidas. Como Caetano, como Gil, como Chico Buarque, como Roberto Carlos, como os Beatles. Como tantos que nunca nos deixaram. Como tantos de quem nunca nos desfizemos.
Gal Fa-tal. A guitarra de Lanny Gordin, ou de Pepeu Gomes, a evocar Jimi Hendrix. "Tente esquecer em que ano estamos" - era 1971, 1972. "Pérola Negra, te amo, te amo" ou "sua estupidez não lhe deixa ver que eu te amo". Menos veludo, menos cristal, mais labareda - pelo menos ali.
Índia tem a sanfona linda de Dominguinhos e a nudez da capa escondida por um saco plástico na vitrine da loja de discos. Cantar tem toda a coisa joãogilbertiana, a produção de Caetano, os teclados e os arranjos de João Donato.
E, para mim, Cantar tem Gal Costa vista de perto pela primeira vez, em dois shows no palco do Teatro Santa Roza. Era abril de 1975.
Ela corria de um lado para o outro, enquanto evocava Orlando Silva: "Tu és toda Bahia/É a flor do mocambo/Da gente de cor/Faz do amor confusão/Numa misturação...". Tinha raça e tradição, como na letra da música.
Temporada de Verão, Gal Canta Caymmi, Os Doces Bárbaros, Caras e Bocas, Água Viva. Ano a ano, disco a disco, belezas e mais belezas.
As canções dos contemporâneos, o olho no passado, a construção de um repertório belo e rico que falava (ainda fala) da identidade de um país e de um povo.
E, em 1979, vem a explosão de Gal Tropical. A voz no topo, emissão perfeita, entre as notas mais graves e as mais agudas, pura técnica, imensa emoção. Índia, Força Estranha, Balancê. E Meu Nome é Gal atualizada no duelo com a guitarra de Robertinho.
Quem já fez Caymmi, agora fazia Ary Barroso, outro dos nossos gigantes. Quem já fez Caetano, Gil, Chico, Milton, agora fazia Djavan. Logo faria Cazuza. Mostraria os seios no palco, a blusa aberta, entre aplausos e vaias, e bradaria: "Brasil, mostra a tua cara!".
A voz doce, cool, joãogilbertiana. A voz a gritar, como uma Janis Joplin daqui. Um cantinho, um violão. "Da maior importância, deve haver uma transa qualquer, pra você e pra mim, entre nós" - sim, um cantinho, um violão, mas com as pernas bem abertas, deixando todos mundo cheio de tesão.
Gal Costa sempre foi essa grande voz, essa voz tamanha. Gal sempre foi essa mulher transgressora, embora às vezes tão contida. Gal falava pouco, mas cantava demais.
O veludo, o cristal, a labareda - como tão precisamente definiu Nelsinho Motta. A voz de Gal Costa está dentro de nós. Ela e nosso tempo são inseparáveis.
Ela e o Brasil são inseparáveis. Ela é um pedaço muito importante do Brasil, "essa pátria desimportante", esse lugar que é construído, destruído e reconstruído.
Ela é um pedaço muito importante das nossas vidas. Ela é símbolo de um grupo de artistas extraordinários. Ela era uma uma flor incrível da Bahia, como disse Tom Jobim.
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